Por Domingos Sávio Maximiano Roberto
Nasci e me criei na “Rua Nova” (Rua Coronel Florentino), no centro de Princesa. Ali vivi minhas brincadeiras de criança junto com amigos que, em sua maioria não estão mais em Princesa. Porém, o mais triste, é constatar que a Rua Nova de antigamente já quase não existe mais, tanto em sua antiga arquitetura quanto com relação aos que ali moravam. Os mais velhos morreram todos e, os mais novos quase todos, foram-se embora de Princesa. Mesmo assim, ainda povoam a minha memória várias imagens e recordações que delas não me aparto jamais. Rebuscando em minha cabeça, vejo nitidamente, o casario, a paisagem urbana e os moradores da “Rua Nova” como se tudo existisse ainda.
Viagem no tempo
Começando pela cabeceira da “Rua Nova”, enveredando pelo lado direito de quem desce, inicio pela casa de dona Maria da Paz (enteada do major Feliciano) que era também a antiga residência do major. Aquela casa (que não existe mais) serviu de cenário para as apresentações amadoras de peças teatrais (dramas) encenadas pelas sobrinhas-netas de dona Maria da Paz, que muito se divertia com a performance das meninas. Na casa vizinha, morava um outro filho do major, Chico Feliciano, onde também funcionava o Cartório do Registro Civil que tinha este como seu escrivão. Chico Feliciano – casado com dona Gonzaga -, era agnóstico mas permitia que sua esquisita mulher exercesse sua religiosa generosidade quando permitia que a mesma, vez por outra doasse caixas de fósforos para o acendimento das velas da vizinha Igreja Matriz. Ao lado dessa casa, moravam as solteironas chamadas “As Borrêgos”: Maria Adília, Quitéria, Tertuzinha e Tertú Velha. Eram as duas primeiras, professoras e, as últimas, cuidadoras do lar. O divertimento principal dessas chamadas “moças velhas”, era desfilar rua abaixo, de braços dados à amiga Ada Barros, todas as tardes, em busca da casa do irmão desta, João Barros. Vizinho às “moças velhas”, morava a família de “Zé de Quincas”, esposo da paciente dona Ana e pai de Mundinha, Lourdes, José e Damião. Essa casa, que na verdade era um casarão, mais parecia um abrigo, pois, ali moravam, além da família, algumas agregadas idosas, doentes mentais ou criadas: Úrsula, Santa, Alexandrina… Descendo mais um pouco, encontrávamos “seu” Marçal do Silva, ferrenho correligionário do grupo “Pereira”, sentado à calçada numa cadeira de balanço a confabular com Jandira Góis e demais presentes sobre assuntos políticos da cidade. Imediatamente anexa à casa de Marçal, estava a residência do comerciante Mirô Arruda que tinha sempre à uma das janelas da casa, sua esposa, dona Antônia, acotovelada numa almofada a espiar a rua. Vizinha estava a minha casa. Aliás, era essa a única residência da “Rua Nova” que abrigava eleitor adversário dos “Pereiras”, pois, a minha mãe, dona Osana Roberto, após ficar viúva, foi agraciada com um emprego no Hospital São Vicente de Paulo, dado por dona Maria Aurora Diniz e, por gratidão, passou a votar nos do grupo “Diniz”. Em seguida residia dona Belmira acompanhada de sua filha – também solteirona -, Anália. Fazendo o que chamamos de “parede meia”, estava a casa de “seu” Lulu e dona Iraci que eram pais de Zé Galego, Laurí, Inaldo, Socorro e Fátima. Imediatamente vizinha estava a casa de “seu” Marcolino e dona Ritinha onde comprávamos ovos de galinhas de capoeira. Encostado, antes do “Beco de Severino Barbosa” estava o hotel de dona Sinhá. Viúva do rico capitão Severino, dona Sinhá era uma senhora alta e vaidosa que, entrevada, caminhava “engomando”. Mesmo assim, dirigia a principal e mais “sofisticada” hospedaria da cidade, pois, era ali que os juízes e promotores se acomodavam para dormir e comer. Morava também, naquele hotel, um dos “rapazes velhos” da família Lima: Neco.
Depois do Beco
Atravessando o beco, deparávamo-nos com a padaria de Severino Barbosa que, além de rico comerciante e político, era casado com a “fraca do juízo” Carminha. Morava em uma casa imediatamente vizinha à padaria e era pai de Marlene e Luizinha. Descendo um pouco mais, residia dona Francisquinha de Fófa e sua numerosa prole: Vavá, José, Socorro, Preta; Tontõe; Tereza; Graça e Dandão, desfalcada de um de seus filhos, chamado Rivaldo a quem apelidavam de “Peba” e que foi assassinado ainda jovem por Lula Roberto. Casa fatídica, pois, foi nesse imóvel que aconteceu o duplo assassinato do casal Otacílio e Xandú, em 1937 por motivos passionais. Ao lado de dona Francisquinha, residiam mais duas solteironas: Domitília e Francisquinha, ambas, irmãs de “seu” Marçal do Silva. Estas eram vizinhas do jovem casal João Barros e Ceição Lima que tinham ao lado a solitária viúva dona Genesina. Seguindo o mesmo percurso, vamos encontrar, sem interrupção, a casa das solteironas Carminha e Sitônia que eram irmãs do ex-prefeito Zacharias Sitônio. Em seguida, estava a residência do pacífico, educado e religioso casal formado por “seu” Tote e dona Joaninha. Foi nessa casa que aconteceu – debaixo da mesa que suportava o oratório com o santuário de “seu” Tote – o assassinato de “Peba”, filho de dona Francisquinha de Fófa. Vizinha a esta, ficava a casa de “seu” Zacharias Sitônio, casado com dona Hermosa Pereira. Para terminar esse lado da “Rua Nova”, existia um terreno baldio que, mais tarde foi ocupado com a construção do “Princesa Clube”.
Os fundos da “Rua Nova”
Ao final da artéria em tela, existiam três casas que mais pertenciam à Praça “Epitácio Pessoa” do que propriamente à “Rua Nova”. Ali moravam, da esquerda para a direita: dona Calú que misturava a sua residência com uma pequena bodega onde vendia queijos, galinhas e ovos de capoeira; Genuíno Cordeiro que vendia leite e queijos e a solteirona Estela Cavalcanti que, às “Noites de Natal”, desfilava pelas ruas da cidade com uma imagem do “Menino Jesus” acondicionada dentro de uma caixa, a pedir esmolas quando tocava um pequeno sino. Atravessando a rua que levava ao cemitério, dávamos com as ruínas da antiga Igreja do Rosário dos Negros que foi destruída pelos frades Carmelitas em 1967.
O lado mais alegre da “Rua Nova”
Retornando do nosso périplo pelo outro lado da “Rua Nova”, iniciamos pelo “Palacete dos Pereiras”. Ali residiu – após mandar construir aquele palacete -, o sobrinho homônimo do ex-presidente Epitácio Pessoa, quando homiziado em Princesa por um crime passional cometido no Recife. Retornando à capital pernambucana “Epitacinho” presenteou Luizinha – filha do coronel José Pereira -, com aquele majestoso imóvel. Por muito tempo aquele sobrado serviu de residência à sua proprietária e seu marido, Gonzaga Bento, que foi prefeito de Princesa por três mandatos. Continuando a subida achamos a casa dos criados do palacete (hoje demolida do local onde se situa a casa do ex-deputado Aloysio Pereira), construção similar às erigidas em adobe que faziam lembrar as “ruínas de Caracala”. Nesse local moravam Ana Tenório (governanta dos “Pereiras”) e sua família. Estranho observar que ali residia também, sob o mesmo teto, a negra Vitória que era também governanta, mas de um figadal adversário dos “Pereiras”: o doutor Severiano Diniz. Subindo, se achava a residência do casal Benedito Lima e dona Candinha que, mais tarde, serviria de moradia para seu filho Florentino Lima e sua esposa Vera. Encostado a essa residência estava o prédio onde funcionava o “Cine Santa Maria”, administrado pelos frades Carmelitas. Esse Cinema, que foi inaugurado em 1924, funcionava de forma precária quando, seus assistentes eram obrigados a levar seus assentos (cadeiras e tamboretes) para as sessões cinematográficas. Separando o Cinema da continuação da rua havia um beco (hoje, conhecido como “Beco da Rádio”). Em seguida estava a casa de “seu” Biu que era pai do futuro prefeito Batinho e passava os dias a consertar seu velho caminha FNM que nós chamávamos de “Fenemê”.Vizinha estava a casa de “seu” Batista Lima e dona “Dita”. Batista, que andava empertigado primava pelo bem vestir, andando sempre todo enfatiotado. Seguindo, estava a residência de Rafael Alves, marchante e vítima de assassinato pelo mesmo algoz que cometeu o crime hediondo que ceifou a vida do filho de dona Francisquinha de Fófa. Depois dessa casa, vinha a casa de “seu” Neco Genuíno e dona Quitéria, esta, muito gorda, era fazedora dos melhores queijos de manteiga da cidade. Continuando a subida dávamos com a casa das “Marrocos”, solteironas juramentadas (Dorothéa; Lede Claire e Doralice) que, além de educadoras e prendadas eram cantoras da Igreja. Ao lado dessa casa, morava “Chico Pedro” que, sempre prodigamente abastecido de aguardente, vivia a tanger um imaginário “pôico”. Seguindo na mesma direção estava a casa-oficina de “seu” Elisbão (marido de dona Áurea e pai de “Neném” e “Cum-cum”) que, sempre usando aquela ridícula lupa ocular, vivia a consertar relógios. Encostada à casa do relojoeiro existia uma marcenaria, pertencente a Zé Honório que, muito zoadenta, só funcionava após as aulas da vizinha escola da professora solteirona, filha de “Padre Maia”, dona Alice Maia”. Esta vivia em constante conflito com o alto volume do rádio da casa do cabo Romeu e de dona Nely quando transmitindo a novela “ O Direito de Nascer”. Nessas ocasiões, enquanto dona Alice ensinava o “bê-a-bá” cantado, sua irmã Quina (também “moça velha”), insistia com mulher do cabo para abaixar o volume do rádio. Ao lado da casa do policial, encerradas as atividades da marcenaria, da escola e do rádio, começava a sessão de músicas executadas pela radiola de Celina de Aparício quando só tocava canções de Núbia Lafayette. Vizinho à casa de Aparício, estava o hotel de “Zabé” onde almoçavam os chamados “viajantes” e os dois soldados de polícia do destacamento da cidade. Logo em seguida, a barbearia de “seu” Expedito Leandro que fazia parede-meia com a pequena bodega de Napoleão onde se encontravam à venda bananas e mais algumas frutas. Para completar a animação desse lado da “Rua Nova”, morava, num quartinho apertado, o maluco Antônio Conrado, apelidado de “Lagatão” que, quando surtava, fazia barricadas com vários caixotes de madeira espalhados pelo meio da rua e começava a disparar sua imaginária “metralhadora” disfarçada por uma das traves que serviam de trancas para as portas inteiriças de sua exígua moradia. Ufa! Chegamos ao final dessa nostálgica caminhada pelo tempo, culminando com a bodega de “seu” João Rosas que depois pertenceu a Vavá de Fófa e, hoje, é administrada por “Zé Galego”. De todos os moradores ou comerciantes aqui referidos, somente a bodega de Zé Galego resistiu ao tempo que, transformada em “Mercadinho”, continua no mesmo lugar.
Foi essa a “Rua Nova” onde nasci e me criei que hoje, totalmente desfigurada, não existe mais.
(Escrito por Domingos Sávio Maximiano Roberto, em 1º de outubro de 2019).
2 Comentários
O cinema era de Ferreirão
Gostei muito de ler essa descrição da “Rua Nova”. Mas, um detalhe me chamou muito a atenção: Naquele tempo Primcesa tinha muitas moças velhas, muitas vitalinas. Aliás, eu que nasci e vivo em Princesa, posso afirmar que aqui ainda tem muitas moças velhas que não casaram. Umas porque são muito exigentes e só querem rapazes ricos e bonitos e outras porque nunca se interessaram em levar chibata. Naquele tempo, TIÃO LUCENA vivia no Cancão. Espero que algum princesense escreva sobre a minha rua, a não menos importante Rua Grande.