Volto a me ocupar das minhas lembranças. Disse lembranças, porque de memórias se ocupam os notáveis. A minha história é vulgar, como já disse certa vez Abmael Morais ao traçar meu perfil jornalístico no seu livro derradeiro, fato que me deixa muito a vontade para falar de lembranças sem ter medo daquela mulher que me achincalha, dizendo que escrevo besteiras cheias de erros de português, mas lê religiosamente.
Pertenço ao time dos que não esperam outra coisa, depois de morto, que não seja a simples notinha de falecimento, aquela que é publicada no jornal como matéria paga, trazendo uma cruz e a foto dois por dois do defunto, além de um texto piegas convidando os amigos e parentes para “este ato de fé e piedade cristã”.
Mas deixemos de divagar e passemos a tratar do assunto para o qual me prontifiquei.
Meu pai, claro, será sempre o personagem de destaque. Eu ainda o venero, passado tanto tempo da sua morte, por conta do seu exemplo e do seu amor pelos filhos. Gostava de trabalhar como um burro de carga e também gostava de festa. Fez a minha festa de aniversário de nove anos no quintal da casa da Rua do Cancão, que começou às nove horas da manhã e só terminou no dia seguinte. Anísio Raça tocou violão que ficou sem as cabeças dos dedos e Luiz de Zé Vermelho perdeu a aparência de Rodolfo Valentino e se transformou no sósia de Quidute Maximiano, por causa do inchaço dos beiços.
Minha infância foi calma, pobre e feliz. Não freqüentava a alta sociedade de Princesa (naquele tempo havia), morava na periferia e percorria as trilhas das minhas brincadeiras de pés descalços. Tomava banho de açude, caçava de baladeira (ou de peteca), pescava piabas, andava montado em jumento e aprendia as safadezas infantis com os mais velhos, como João Isidoro e Sossô Lima, contumazes amantes do pecado solitário, praticado às margens do Açude Velho, onde as mulheres costumavam tomar banho como vieram ao mundo.
Minha primeira namorada foi Tica de Argemiro, uma negra troncuda, metida a bonita, que tinha mais experiëncia do que eu. Quando fui falar com ela no primeiro dia de namoro, a boca estava seca, as mãos tremiam, as pernas mal me seguravam. Ela me esperava em frente ao Posto de Puericultura e quando a vi e disse boa noite, ela de lá respondeu, solene:
– Boa noite, vossa excelência!
Gelei. A moça falava bonito e eu não tinha argumento para responder a tão venerável tratamento. Balbuciei alguma coisa e juntos subimos a Rua da Avenida, em direção a sua casa, ela num lado da rua, eu no outro, sem ao menos triscar no seu dedo mindinho. Quando chegamos na sua casa, ela parou esperando algum beijo ou afago. Dei não. Por medo. Saí de lá com as orelhas queimando e um comichão nas partes íntimas me insultando. Dia seguinte a mesma coisa. No terceiro dia, a repetição dos dois primeiros. No quarto, em vez dela veio um recado trazido por Teté Passarinho:
-Tica mandou dizer que ta tudo acabado, porque você é um mole.
2 Comentários
Eita cabra frouxo. .. histórias saborosas. E eu que marquei encontro com uma menina, mas de tanto medo a deixei esperando na esquina da rua Pedro da costa agra em campina grande, no zepa. Fiquei olhando de longe.
Excelente texto Tião! Lembrei do Centro de Puericultura, tenho boas recordações daquela rua.