opinião

LEMBRANÇAS DO VELHO MÁRIO

11 de junho de 2020

 

FRUTUOSO CHAVES

Fazer do limão uma limonada. Quem não conhece este incentivo a gestos e ações capazes de transformar algo ruim em coisa boa? Pois bem, nestes dias terríveis de isolamento decido organizar meu baú com antigos recortes e, logo, a providência me rendeu um prêmio: o reencontro com a figura impressionante de Mário Moacyr Porto. Lá estava a entrevista com ele para a finada Revista A CARTA.

Início da tarde de domingo, cheguei com um mau humor desgraçado à casa do editor Josélio Gondim para a conversa fora do expediente.

“Venha almoçar comigo”, pedira Josélio, depois de me retirar de um belo cochilo. Pressentindo a armadilha, expliquei que já havia almoçado. E ele, insistente: “Então, venha tomar um uísque”. Repliquei: “Acho que sou o único a quem você encontrou para o trabalho. Do que se trata?”. Meu amigo, patrão ocasional, contou que o dr. Mário seria a capa da edição seguinte e insistia para que fosse eu o entrevistador, história de todo não crível.

Mas o uísque estava lá e ali também estavam os quitutes preparados a capricho por Sônia Gondim, a dona da casa sempre gentil e agradável. À volta da mesa, Josélio, o entrevistado da semana e seu sobrinho, o advogado José Ricardo Porto, hoje desembargador.

Pois bem, 15 minutos iniciais de conversa e eu já me encontrava em estado de graça, menos pelo Johnnie Walker selo preto e mais, muito mais, pela dimensão cultural, pela capacidade de análise dos problemas nacionais, enfim, pela verve, o jeito e as histórias do velho Mário.

O papo começou com sua crítica à falta para o Nordeste de lideranças de expressão nacional, pelo menos, daquelas das quais a Região pudesse fazer bom proveito. E vemos, então, que este ainda é um dos nossos mais sentidos problemas.

Promotor público aos 21 anos, ex-juiz de comarcas diversas, desembargador aposentado, ex-reitor da Universidade Federal da Paraíba e ex-presidente da Mineração Tomaz Salustino, Mário Porto aguardava, naquele momento, a aprovação da Câmara dos Deputados a projeto que modificaria a política de tributação do petróleo apresentado sob sua inspiração pelo senador Garibaldi Alves Filho.

Sua destituição da Reitoria da UFPB, lembrava, deu-se em comunicado do Grupamento de Engenharia, unidade do Exército sediada em João Pessoa. O substituto Guilhardo Martins, ao que disse, foi quem lhe entregou o ofício. “Eu o tenho de cor até por ser muito curto”, avisou. E declamou a coisa: “Comunico a Vossa Senhoria que este Comando Militar, fiel aos propósitos da Revolução vitoriosa, deliberou intervir nesta Universidade. Cabe esclarecer que sua destituição do cargo de Reitor não decorre de nenhuma dúvida quanto à sua probidade, ou suspeita de atividades subversivas”. E o velho Mário se espantava: “Nunca tinha visto, antes disso, alguém ser demitido com elogio”.

Tive o cuidado de produzir um quadro, dentro da matéria de quatro páginas, com suas tiradas deliciosas. Algumas delas:

– Eu gostaria de ter nascido em outra época. Gostaria de estar, agora, com gastroenterite.

– Bebo vinho moderadamente. Não digo isso como virtude, mas como equívoco. Nunca tomei um porre. Um sujeito que não bebe, não fuma nem joga, geralmente, não é alguém confiável.

– Há um provérbio árabe que diz: homem que chora, mulher que não chora e gente muito cortês, desconfie dos três.

– Napoleão Bonaparte, um grande estadista, disse certa vez: Luiz XVI jamais deveria ter dito que não descendia de Deus. Isso não o teria livrado da guilhotina, mas ele teria morrido como um rei”.

– Não sou ateu. Sou à toa.

– Sofri minha primeira desilusão amorosa aos 15 anos de idade. Era época da Festa das Neves, dos jornais de estudante e uma moça de quem eu gostava me trocou por um pianista. Fui até o dr. Américo Falcão, diretor da Biblioteca Pública e poeta conceituado. Ele gostava muito de mim. Pedi que fizesse uns versos a fim de que eu pudesse publicá-los como se fossem meus. Eu queria algo que começasse assim: “Não estou ligando importância/a quem não gosta de mim”. Era o despeito em suas manifestações mais ridículas. Ele, então, escreveu: “Um trovador que padece/disse numa trova dolente:/a gente nunca e esquece/de quem se esquece da gente./Não creio em tal e ofereço/esta verdade sem fim:/o mais depressa me esqueço/de quem se esquece de mim”. Publiquei o poema que fez um sucesso danado, com a assinatura Mário Moacyr Porto. Veja só a minha desonestidade intelectual.

Eu, ainda hoje, tenho arrepios com a história do impedimento de Mário Moacyr Porto à diplomação do filho Marcelo, em Economia. Sem outro remédio, ele recorrera ao general Vinícius Notare, então comandante da Guarnição Federal da Paraíba, de quem recebeu permissão para acompanhar o rebento. No Clube Cabo Branco, onde a cerimônia transcorria, assim que Marcelo foi chamado, o povo de pé aplaudiu o ex-reitor desde a locomoção até a mesa, para entrega do diploma, até o retorno à cadeira onde estava sentado. A Paraíba, assim, o desagravava.

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