*Chorei e você não viu. Sofri e não fui nem confortado. Amei e não fui correspondido. Venci e reconheci a misericórdia de Deus!*
Alberto Pessoa
Eu era jovem, adolescente, com muitos sonhos e objetivos vazios. Possuidor de uma grande necessidade de conhecimento e na santa inocência, vulnerável às possibilidades. Provindo de família humilde, com mais de onze irmãos para dividir a vida e ávido por visibilidade humana, compartilhava minhas ansiedades, com as vontades de alçar novos horizontes. Sem norte, busquei nos extremos a força para vencer as adversidades. Entre noites de alegria e manhãs frias de indecisões, ficava a meditar por um entendimento sobre o porvir.
Para me agrupar junto a outros jovens, optei por participar das baladas, rodas de bebedeiras, dando muitas vezes, vazão a outros tipos de estimulantes: maconha, comprimidos, chás de cogumelo, papoula… tudo em nome da loucura total, da paz inconsciente.
Em diversas ocasiões, éramos discriminados pela sociedade conservadora, a qual repudiava o comportamento diferente da juventude em evolução. É bem verdade que éramos promotores de grandes preocupações familiares, em face aos exageros e falta de bom senso.
Legal mesmo era estar com os amigos nas noitadas de bebedeiras homéricas e comemorações sem fim.
Porém, como tudo nessa vida é efêmero, passageiro, as aventuras começavam a se banalizar e as sensações vividas já não tinham a mesma intensidade. Com isso, a depressão ou a ressaca faziam dos neurônios um ponto de fraqueza sustentado pela necessidade de reposição de mais droga.
Até então eu não sabia que alcoolismo era doença (catalogada pela Organização Mundial da Saúde como doença incurável, progressiva e com determinação fatal. A terceira que mais mata no mundo).
Continuava com meu ciclo vicioso. Começava bebendo vinho na alta sociedade e acabava na porta de um boteco da periferia, ingerindo as piores das cachaças, me tornando um verdadeiro “pé inchado”.
Em casa, só decepção. O rendimento escolar estava a zero e cheguei a frequentar todos os estabelecimentos escolares da cidade para tentar conseguir a etapa fundamental da vida estudantil. Reprovei em quase todas as tentativas. Minha vida era no banco da praça à espera da balada cotidiana. Jovem, bonito, saudável, mas um mau exemplo na comunidade e família.
Eu sabia que aquela não era minha índole. Algo me confortava. Nunca fiz mal a ninguém e conservava uma cultura familiar muito importante em minha formação: fazer o bem, não importa a quem. Tinha amigos que nos viam somente como jovens sedentos de conhecimento e paz. Mesmo já cansados, meus pais também acreditavam em minha remissão.
Somente a sociedade me empurrava para a decadência total.
Eu queria conhecer outras cidades, outros sóis, outros mundos.
Segui em busca do nada, deixando para trás as lágrimas maternas e a admiração dos irmãos. Andei descalço pelas ruas e vielas de Salvador, Olinda, Gaibu, Porto de Galinhas e Cabo Sul. Escrevia poemas e os jogava ao vento. ” Fiquei amigo de um cão. Pelo pão que dividi”.
Preferia trilhar pelos caminhos mundanos a fixar-me como queria o meu amado tio maestro Ozires do Nordeste, na capital pernambucana. Segui: Alagoas, Sergipe, Paraíba, BH… frio, fome, sensações.
Algum tempo depois resolvi pegar o caminho de casa. Retornei ao velho ninho, agora, querendo apenas descansar das lições aprendidas na escola da vida.
Prossegui, entretanto, no tenebroso vale da bebida e da droga. Porém, em busca de justificativas para absorver outras decisões.
Finalmente encontrei uma ilha de calmaria: a mulher que me abraçou e me fez retroceder para outras direções. Já com idade suficiente para entender o chamado, casamos e no primeiro ano, o primeiro filho. Em face a tantas quedas e decepções, finalmente cheguei a uma sala de Alcoólicos Anônimos – de onde nunca mais saí – em nome de uma sobriedade sadia que me promove até hoje a avanços espiritual e físico.
Comecei a recuperar o que havia ficado para trás.
Apesar da abstinência alcoólica, continuava me valendo do uso maconha. A droga é um mal para a sociedade. O jovem se sente acorrentado. Precisa se relacionar com pessoas más, traficantes, bandidos. Torna-se um delinquente, mesmo não tendo aptidão para essa situação.
Mas, ia conduzindo o processo. Tinha vergonha de fumar na presença de familiares e rogava a Deus para um dia me libertar daquela prisão.
Consegui recuperar um pouco de minha dignidade no decorrer do tempo. Dediquei-me à família, à casa, à manutenção de minha sobriedade.
O usuário de droga não tem firmeza: é sempre observado como um fraco.
Mesmo sem experiência, enveredei pelos caminhos do jornalismo comunitário. Isso depois de ser nomeado repórter por um conceituado jornalista local. Procurei estudar em livros recebidos de uma amável professora.
Comecei a reverter o quadro de pessoa tóxica para a sociedade e passei a integrar outro ciclo social. Consegui o diploma de segundo grau através do supletivo e ingressei na faculdade estadual. A mulher também escolheu um curso e fiquei com a carga de trabalhar, estudar e cuidar da filha, pois a mulher se doava integralmente para concluir o curso dela.
Porém com uma fé inabalável conseguíamos vencer todos os obstáculos. Formei-me e a mulher também. Em contrapartida, o mercado de trabalho naquela pacata cidade do interior era muito defasado e envolvia até questões políticas para se conseguir um emprego. Já com outro filho, um casal agora, resolvemos procurar melhores condições de vida e mudamos para um Centro maior. Batalhamos muito e fomos abençoados com a qualificação dos filhos e também nossa. Fiz um curso de jornalismo numa boa faculdade. Consegui trabalhar na mídia e conduzíamos a vida da melhor forma possível.
Após tantos desencontros, me libertei de vez de todos os vícios: álcool, tabaco, droga. Estava limpo para alçar outros voos.
Desenvolvi minhas aptidões literárias e publiquei obras de poesia, contos e crônicas. Retomei a admiração da família, da sociedade e de todos nos meios em que me relacionava. Prestei-me à religião cristã, participando das atividades da congregação em gratidão a Deus pela mudança de concepção de vida.
Foram alguns anos de ferrenhas batalhas, no vai e vem estressante da cidade grande. Para nos firmarmos positivamente nas novas experiências, conseguimos empregos estáveis. Formamos os filhos e sentíamos um pouco de conforto por estarmos realizando nossos propósitos.
Contudo, de tanto cuidar dos filhos acabamos que esquecendo de nossos projetos pessoais. Não tínhamos tempo mais para namorar, conversar, querer, como era na juventude. Apesar da parceria em favor de nossas lutas, o relacionamento marital foi diminuindo e a empolgação já não era mais como antes. Os filhos continuavam em casa com os pais.
Mas, tudo mudou de repente.
Uma informação sobre isolamento social, em virtude da disseminação de um vírus no mundo inteiro mudou nossos hábitos e modo de ver a vida.
Foi recomendado um confinamento. Tinha-se que permanecer em casa para evitar o contágio e a morte. O vírus, mortal, espalhava-se por toda a Terra matando em massa seres humanos, provocando pandemia.
Houve a necessidade do uso de máscaras protetoras e produtos de higiene pessoal.
Enquanto isso, a ciência e a tecnologia trabalhavam incessantemente para frear a contaminação.
Muitas pessoas permaneceram por meses, presas em casa. Nossa família teve momentos de tensão no decorrer da quarentena. Sabedores das possíveis trilhas do viver, tínhamos certeza de que depois da crise o mundo seria diferente. A humanidade, certamente, iria rever os seus conceitos, princípios e práticas, tendo o evento da Covid-19, como um divisor de águas e reflexão para uma vida diferente.
Em casa, com preocupações redobradas, fizemos um histórico de nossa trajetória e buscamos nas recordações, os sonhos deixados para trás. Vieram à tona, noites mal dormidas, as vitórias alcançadas e o sentimento da necessidade de concluirmos os projetos esquecidos nas entrelinhas do caminho.
Mesmo um pouco exaustos, começamos a retomada dos antídotos para a harmonia familiar.
Em casa, promovíamos as reuniões, conversas amistosas e tira-dúvidas pendentes. Orações rogando a Deus para o pronto restabelecimento das Nações.
O relacionamento familiar foi aquecido pelo calor da solidariedade humana entre os membros da família.
Queríamos direcionar as ações para firmar de vez o futuro dos filhos e depois retornarmos à vida pacata e feliz do interior, onde a luta pela sobrevivência seria amenizada pela vivência com o amor, a esperança e a fé. Agora, na terceira idade, deveremos seguir rumo a concretização de desejos derradeiros e finalmente descansar no seio de nossas satisfações pessoais.
Os filhos, agora independentes, deixavam uma brecha para que eu e minha mulher pudéssemos retornar ao convívio com os parentes, amigos e as nossas raízes na vida pacata do interior, de onde ainda brotam as nascentes do bem-viver, que outrora nos transmitiam momentos marcantes de falecidas. A luta para vislumbrarmos a vitória se fazia necessária. Isso, nos remeteu aos reclames do poeta conterrâneo em seu poema Canção do Tamoio: “Não chores, meu filho/ Não chores, que a vida/ É luta renhida/Viver é lutar/A vida é combate/Que os fracos abate/Que os fortes, os bravos/ Só pode exaltar…”. Quando tudo parecia chegar a um tempo ameno minha mulher foi acometida por um câncer e perdeu a batalha. Menos de um ano recebi a informação de ter contraído um câncer no fígado.
Passei pelo Vale da morte.
Consegui realizar um transplante hepático e recuperei minha qualidade de vida.
Em maio de 2024 completará dois anos desta cirurgia. Eu continuo na batalha da vida. Depois disso lancei obras e ganhei prêmios literários no Brasil e fora de nosso país.
Agradeço principalmente a Deus o mesmo de Abraão, Davi, Moisés… Amém!
(Trabalho publicado no Museu da Pessoa e na obra: ” Infinitas Formas de Sermos Nós “, Editora Conejo-São Paulo.)
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