Marcos Pires
Nunca me interessaram as pessoas metidas a sérias, importantes. Sempre preferi aqueles que contam boas histórias, mesmo que um pouco distantes da verdade. Não estou só. O meu colega escritor Ariano Suassuna confessou certa vez que em seu “Auto da Compadecida” ele criara o personagem João Grilo, mas garantiu que Chicó realmente existiu. Quando garoto, Ariano ia todas as noites para a praça de Taperoá ouvir as histórias de Chicó. Formava-se uma roda de gente e o amarelo soltava suas cobrinhas. Numa ocasião Chicó contou que fizera uma viagem ao sul do Brasil: “- Embarquei num navio em Recife, mas como tinha pouco dinheiro me colocaram numa cabine muito apertada onde guardavam as latas de óleo das maquinas. Na costa da Bahia o navio começou a afundar. O comandante deu ordem para todos abandonarem a embarcação, mas a porta da minha cabine emperrou. Não abria nem com promessa. Tive a ideia de sair pela escotilha, aquela janelinha redonda. Forcei muito e finalmente ela abriu. Subi nas latas e tentei me imprensar, mas não estava conseguindo porque a escotilha era muito estreita. Então eu tirei toda roupa e os sapatos. Até a cueca e as meias eu tirei. Tentei novamente, mas ainda não dava pra sair. Aí tive uma ideia brilhante; totalmente nu me lambuzei no óleo que estava nas latas e enfim consegui sair pela escotilha, caindo no mar. Mesmo com a água muito fria comecei a nadar, pensando que estava salvo. De repente apareceu um tubarão que veio me atacar. Reagi imediatamente; puxei a faca do cinturão e…”. Nesse momento um dos circunstantes, dos muitos que ouviam a história, interrompeu Chicó: “- Mas vem cá, se você tirou a roupa toda, até a cueca e as meias, de onde foi que apareceram o cinto e a faca?”. Chicó olhou aborrecido para o cidadão e em seguida dirigiu-se aos circunstantes: “- Estão vendo? É por conta de um filho da puta desses que uma história tão boa se acaba. Pronto, não conto mais”. E retirou-se para casa. Quinze minutos depois a pequena multidão que todas as noites ouvia suas mentiras bateu à sua porta e implorou para que ele terminasse a narrativa. Já haviam dado uns sopapos no inconveniente e proibido que ele voltasse a frequentar a roda noturna para o resto da vida. Para felicidade geral tudo voltou ao normal nas noites da praça de Taperoá.
A mentira, quando divertida, é do bem. Já os que divulgam Fake News são do mal. Esses irão para o inferno de cabeça para baixo, com a boca cheia de cacos de vidro.
1 Comentário
Grande Marcos Pires.