Memórias

Meu pai e a solidão

2 de novembro de 2019

Quando meu pai era vivo eu não dispunha de capital suficiente para leva-lo a um restaurante chique. Ao contrário, filava seu almoço no velho restaurante da também velha rodoviária, quando ele aparecia aqui para as reuniões mensais da Fetag.

O amor que sempre senti pelo meu pai aflora com mais força agora, 36 anos após sua morte, ao me ver no lugar dele, os cabelos brancos enfeitando a cabeça, a idade pesando nos ombros e a vista turva denunciando a velhice.Quando papai era vivo e eu era cheio de vida, costumava trocá-lo pelo bar da esquina, pelo papo com os amigos e pelas tertúlias dançantes dos assustados. Ele que esperasse a minha chegada, altas horas da noite, para o “boa noite, vou dormir”.

Quantas vezes o encontrei acordado, vigiando minha chegada, sentado na mesa da cozinha, conversando com a solidão. Jamais me preocupei em perguntar se estava tudo bem, muito menos sentei ao seu lado para dividir aquela conversa que ele mantinha com as paredes.

Mas eu o amava, ele sabia disso. Só que jovem é outro papo, não troca idéias com velho. O velho tem a importância da mesada, do amparo, do abrigo, do jantar gostoso, do almoço farto. Afora isso, o que vale é a farra, o namoro acochado no escurinho do cinema e os papos com os amigos nas esquinas da vida.

Faz 36
anos que eu percebi que poderia ter sido diferente. Mas aí já era tarde, Seu Miguel tinha partido, tinha mudado de endereço.

E hoje, nem dividir a conversa que ele tinha com as paredes eu posso. Só me resta assumir o seu lugar, conversar com a solidão, enquanto espero meus meninos retornarem para casa.

Só porque senti saudades dele hoje, dia de finados, ontem e sempre

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6 Comentários

  • Reply Edmundo dos Santos Costa 2 de novembro de 2019 at 08:00

    SOU UM SENTIMENTAL ASSUMIDO E SE FOR ESTICAR COVERSA ACABAREI CHORANDO!

  • Reply SEVERINO A S DE LIMA 2 de novembro de 2019 at 09:25

    De fato, meu nome hoje é saudade e…arrependimento, por essas e outras.

  • Reply Zé Bedeu 2 de novembro de 2019 at 12:51

    Tião, já sou seu fã assumido e agora depois de ter lhe conhecido pessoalmente sou ainda mais. Ontem terminei de ler o seu livro nos tempos do jornal, nem queria terminar…

  • Reply Paulinho A 2 de novembro de 2019 at 17:07

    Tião, meu velho, hoje voçê se superou.
    Emocionante e linda essa homenagem ao seu pai.
    Que orgulho para ele e família, parabéns !

  • Reply Andre Luiz teixeira de carvalho 2 de novembro de 2019 at 22:35

    Tião sou seu fan.. mesmo aqui nos USA a mais de 20 anos estou sempre acompanhando seu blog.. pois você é um cara verdadeiro e paraibano da gema..!!! Cabra da peste!! Abraço

  • Reply João Carlos Miranda 3 de novembro de 2019 at 00:42

    Tenho exatamente esse mesmo sentimento que você relatou, penso agora já um pouco maduro que as coisas poderia ter sido diferentes. Só me resta agora a saudade e o arrependimento de ter trocado esses momentos por amigos, farras e mulheres.

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