MEU PAI HERÓI 

 

Por GILBERTO CARNEIRO

 

ACORDEI de sobressalto. Tateei a parede no escuro à procura do interruptor, mas algo inexplicável me impediu de acender a luz. A pouca luminosidade do meu antiquado relógio permitiu distinguir a posição dos ponteiros indicando as 3 h da manhã. O vulto permanecia lá, sobre o lastro da cama, formando uma névoa branca. Meu coração acelerado me sugeriu rezar. Na medida em que balbuciava um Credo, o vulto foi ganhando forma. – “não tenha medo, meu filho!”. Meu coração foi se acalmando. – “estou aqui para lhe dizer algo”. As lágrimas começaram a verter sobre minhas faces. – “pai, é o senhor mesmo”?  – “sou eu. Fique tranquilo. Acalme-se”. Tentei tocá-lo, mas não senti contato físico algum, porém a sua presença estava ali, bem à minha frente. – “meu filho, preste atenção. Estou bem. No lugar aonde estou reina a paz”. – “pai, quero estar com você”. As palavras estremecidas quase não saíram da minha boca. – “estou com você todos os dias, todas as horas, todos os momentos e vou lhe dizer algo”. – “estou lhe ouvindo pai”. Respondi. – “Deus revelou-se ao homem através de palavras e acontecimentos para o conhecimento dos seus desígnios. Estude as escolas de pensamento para compreender os mistérios da REVELAÇÃO, porque em breve a verdade o libertará”.

ENTÃO acordei de sobressalto. Consegui acender a luz. Olhei no relógio. Eram 3 h da manhã. Levei algum tempo para compreender que acordara de um sonho. Será? Fiquei de joelhos e comecei a rezar. Pedi discernimento a Deus para interpretar o que tinha acontecido e o que meu pai havia me revelado em parábolas.

Depois desse acontecimento, tenho lido bastante sobre as escolas de pensamento que explicam as revelações e os significados distintos dos sonhos, sob o ponto de vista religioso, científico e cultural. Para a ciência, é uma experiência de imaginação do inconsciente durante nosso período de sono. Em diversas tradições culturais e religiosas, o sonho aparece revestido de poderes premonitórios ou até mesmo de uma expansão da consciência. Para Freud, psicólogo e neurologista austríaco, os sonhos noturnos são gerados, na busca pela realização de um desejo reprimido.

Muito pouco provável que essas explicações me convençam que tudo não passou de um sonho. Havia algo de inusitado e real naquele diálogo que vai estar para sempre na minha mente, corpo e espírito.

 

O fato é que perdi meu pai no dia 19 de julho de 2019. Sua morte ocorreu em meio ao tsunami que se abateu sobre minha vida naquela época. Entre todos os acontecimentos difíceis que vivi nos últimos quatro anos, a perda do meu pai foi o que mais me abalou e me causou profunda tristeza porque sempre foi e será o MEU PAI HERÓI.

 

E lembrei de uma fatídica noite da minha infância em que meu pai, para acalmar meu sofrimento, cantarolando uma canção de Roberto Carlos, me dizia para ser forte e enfrentar a dor que me consumia, alertando para a verdade sobre a crueldade do mundo que um dia eu iria descobrir, dos traumas que a gente percebe só depois de crescer. Naquela noite, sem nada entender, sob o delírio da febre que ardia e fazia meu pequeno corpo sofrer, meu pai me falou dos anjos que conheci e tentou encher de fantasias enfeitando as coisas que eu via, porém aqueles anjos agora já se foram depois que cresci. Da minha infância agora tão distante, aqueles anjos no tempo eu perdi, porque meu pai sentia o que sinto agora depois que cresci. Agora eu sei o que meu pai queria me dizer, pois as dores da alma e do corpo também ajudam a viver. Minhas filhas muito cedo perceberam o quanto o mundo é cruel, mas que possam aprender que as dificuldades também ajudam a viver, preparando os caminhos que um dia irão seguir.

 

Ao revelar para minha esposa o acontecimento daquela noite relatada no início deste texto, disse ter presenciado meu sonho estremecido e tentou me aclamar dizendo que os pesadelos são problemas adormecidos pois durante o dia a gente tenta com sorrisos disfarçar alguma coisa que na alma conseguimos sufocar. Não sei ao certo ainda se tratou realmente de um sonho ou um acontecimento, mas uma coisa tenho absoluta convicção: meu pai quis me dizer algo muito forte sobre uma revelação futura, uma verdade subjacente que, acredito, em breve se descortinará.