opinião

Mudar o comportamento?

24 de fevereiro de 2021

Gonzaga Rodrigues 

Fiquei parado, medindo cada palavra,
cada gesto, a apreensão do olhar no apelo
que o governador João Azevêdo fez para
as pessoas se cuidarem.
Não se pede muito. Pede-se para ficar
em casa e, na obrigação de sair, não falar
em cima do outro e ensaboar e lavar as
mãos por qualquer contato. Não chega
a ser um grande sacrifício, pelo menos
para quem gosta de água, que não nos tem
sido um gosto estranho desde as longín-
quas origens. A carta de Caminha já nos
encontrou lavadinhos. Sobretudo nossas
mulheres. Há quem diga que ensinamos
o colonizador europeu a tomar banho.
Elas entravam n’água e eles não resistiam.
Gilberto Freyre chega a
exagerar: “O ambiente
em que começou a vida
brasileira foi de quase
intoxicação sexual. (…)
O europeu saltava em
terra escorregando em
índia nua; os próprios
padres da Companhia
precisavam descer com
cuidado.”
Há algum exagero, o pernambucano
dourou a pílula além da sem-vergonhice
do escrivão, que se surpreendeu bem
mais com a nudez natural e aparadinha
da índia do que com o verde assombroso
do Monte Pascoal.
No entanto, por mais fácil que pu-
desse parecer, por mais que o instinto de
defesa viesse atuar, na maioria da descen-
dência cruzada falece o cuidado.
De nada têm valido as cenas de an-
gústia mortal que as câmeras vão apa-
nhar sob a luz empastada das UTIs. Vão e
voltam, sequenciam-se expondo aos nos-
sos olhos um país internado, morrendo e
sepultando-se em valas de escavadeiras,
e – o que é pior – sem fazer medo à maioria
dos que ainda estão do lado de fora. Maio-
ria que entra no aglomerado com os olhos
e todos os sentidos apenas no imediato,
na compra ou no saque, confirmando
a sabedoria antiga segundo a qual por
mais que os olhos estejam arregalados,
só veem, só atentam e enxergam naquilo
que prestam atenção. Só veem aquilo que
estão procurando.
A população, por mais advertida, per-
de-se no imediato. O gui-
chê, a prateleira, a busca
do freguês, a vontade de
ir, apagam as cenas de
um dia inteiro de notí-
cias e avisos sinistros
levados à sua casa.
Isto é aqui e em mui-
tos outros países. Mas
em França, no nosso ve-
lho Portugal, na Ingla-
terra e maioria dos estados europeus não
basta decretar ou advertir. Entra a ação da
guarda municipal ou da polícia fazendo
valer a disciplina, a exigência do com-
portamento social sem comprometer a
ordem democrática. Até multa existe. Em
Caen, na Normandia – pelo que sei da filha
Cibele – saiu fora de hora ou sem máscara
paga 135 euros por infração. Entre nós, se
viesse a multa, logo arranjariam o atesta-
do de pobreza para dispensá-la.

Transcrito de A União

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