opinião

NÃO OLHE PARA BAIXO

28 de abril de 2024
Por GILBERTO CARNEIRO
DIGAMOS que você esteja a  21 mil km da superfície terrestre, a partir do espaço dentro de uma Estação Espacial Internacional – ISS, siga em inglês e, para preencher o tempo, pega a máquina de fotografia especial e começa a tentar identificar algum ponto físico artificial visível aqui embaixo.
O que você veria lá de cima? Durante muito tempo a informação que habitava as mentes e corações é que a imagem seria da “Muralha da China”, uma mega construção que impressiona não apenas pela sua extensão que perfaz 20 mil quilômetros, mas  também por  sua estreiteza e pela sua cor terrosa, que se confunde com a paisagem acidentada que a rodeia.
Contudo, não seria a Grande Muralha da China que você veria lá de cima. Em 2007, o astronauta espanhol Pedro Duque confirmou que a única construção humana visível a partir da ISS, localizada a cerca de 21 mil quilômetros acima das nossas cabeças, está no sul da Espanha.
E que mega construção é esta, única possível de ser vista do espaço? A NASA confirmou com a publicação de algumas imagens captadas pelo Operational Land Imager-2 (OLI) do satélite Landsat 9. Nas fotografias é possível ver um ponto brilhante formado por telhados de polietileno branco junto à costa do Mediterrâneo no sul da Espanha.
Frustrado não é? Melhor não olhar para baixo se você estiver em uma Estação Espacial, fazendo aqui um trocadilho com o título do filme indicado ao Oscar em 2022: “Não olhe para cima”, do diretor Adam McKay, e que tem como protogonista principal o excelente ator Leonardo DiCaprio. Pois bem, não deverá olhar para baixo nestas condições porque a imagem do único ponto físico da Terra visto do espaço não é nada agradavel. Este “mar de plástico” nada mais é que uma rede de estufas que ocupa uma área de mais de 40.000 hectares na localidade de El Ejido e outros municípios vizinhos, onde se produzem anualmente entre 2,5 e 3,5 milhões de toneladas de frutas e vegetais que são consumidos na Espanha e na Europa. As suas importantes dimensões mas, sobretudo, a luz solar que reflete no plástico, é a razão pela qual esta infraestrutura pode ser vista do espaço.
Os lados negativos deste “Eldorado” agrícola que vive o município de Almería, e que para muitos faz com que o “mar de estufas” visto do espaço não seja motivo de orgulho, são múltiplos e variados; vão desde toneladas de resíduos e substâncias químicas que contaminam o solo e parte da costa espanhola; exploração dos escassos recursos hídricos; condições de trabalho precárias dos trabalhadores;  falta de diversificação econômica até as fortes tensões sociais ligadas ao racismo e à xenofobia.
A poluição causada por plásticos é um problema de escala global. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) adverte que a humanidade produz mais de 430 milhões de toneladas de plástico por ano. Desse total, dois terços são produtos descartáveis. Mas através de uma mudança sistêmica, seria possível abordar esse problema desde a raiz. O braço do meio ambiente da ONU tem procurado chamar atenção para esse problema e busca promover mudanças em três áreas-chave: reutilização, reciclagem e reorientação-diversificação, além de reduzir o consumo.
A conscientização da população para práticas substitutivas do uso do plástico é por demais necessária, mesmo que as vezes ocorra por uma forma transversa. Um amigo muquirana, proprietário de um pequeno mercadinho de bairro, quando percebe o uso exagerado de sacolas plásticas por um cliente desavisado, não se faz de rogado e intervém retirando parte das sacolas do carrinho dos fregueses, e mesmo que sua preocupação genuína seja a economia das sacolas e não o meio ambiente, questiona olhando nos olhos do freguês, com pose de ativista ambiental: – quer arrombar o meio ambiente?

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