Memórias

Nos tempos de músico

1 de setembro de 2020

 
Fui músico de banda de música quando tocar em banda era o fino da moda. O prefeito Gonzaga Bento reativou a banda que o seu sogro, coronel Zé Pereira, havia fundado, e contratou o cabo/maestro/tocador de trompa Muriçoca para organizá-la. Depois dele assumiu o cargo o velho Ozael, que foi substituído por Petronilo Malaquias, um pernambucano de Carnaíba que sabia tudo de música. Foi com ele que comecei a me enfronhar nas partituras.

Comecei tocando requinta. Passei para a clarineta, fiz um estágio no soprano e terminei a vida artística tocando sax tenor. A banda viveu o tamanho do mandato de Gonzaga. Quando se elegeu o substituto, que era do partido contrário, o próprio Gonzaga aposentou os instrumentos, pertencentes a família Pereira, e grande parte dos músicos ficou desempregada.

Eu sobrevivi porque já havia comprado um soprano ao tabelião João Barros, com o qual tocava no conjunto de Zé de Minininha, ao lado de Chico de Mourão (trombone), Zé de Bezeca (tenor), Ernani de Ulisses (piston), Mitonho (bateria), Bicudo Massaroca (pandeiro), Nêgo Heronildo (surdo), Goiaba de Manoel de Fefê (maracas) e Edmilson Lucena (cantor).

Essa de Edmilson cantor merece um parêntesis. Ele cantava num baile em Princesa quando alguém achou por bem pedir uma música em inglês. Naquele tempo era um luxo dançar sob os acordes de uma música cantada em inglês, mesmo que o matuto nada entendesse do idioma.

Edmilson, que não sabia coisíssima nenhuma de inglês, começou a cantar enrolando a língua. E estava tudo dando certo até que o Dr. Antonio Nominando Diniz, intelectual e poliglota, parou de dançar, aproximou-se do palco, botou a mão ao redor do ouvido em forma de concha e pôs-se a ouvir a música, para tentar entender o que a letra dizia. Foi quando olhou para Edmilson e o nosso cantor, de cima do palco, piscou o olho de um jeito confidencial e cúmplice. Nominando fez um ar de riso e voltou a dançar suave e feliz, ao som daquele acorde maravilhoso de música estrangeira.

No tempo da banda, percorríamos as cidades vizinhas tocando em festas, procissões e enterros. Numa festa de padroeira realizada em Água Branca, o vigário, Frei Alberto Leão, nos colocou numa casa de ponta de rua e mandou que nos servissem feijão puro com toucinho de porco. Heronildo e Benedito de Rufina, revoltados, foram até uma bodega e compraram doze rapaduras para substituírem a carne que faltou. A turma comeu a metade das rapaduras e a outra foi transformada em pedras para uma guerra entre músicos que terminou com um galo na testa do velho Manoel Orestino, tocador de pratos.

No conjunto de Zé de Mininha toquei cerca de cinco anos. Zé era uma graça. Passava a metade do ano comendo feijão com sardinha, mas quando arranjava um contrato bom, ficava com a metade do dinheiro, que era gasto na compra de passarinhos. E nos hotéis onde se hospedava como maestro só aceitava comer no café da manhã bolacha creme creacker com leite quente.

O meu tenor eu o vendi em 1975 para pagar a passagem do ônibus que me trouxe a João Pessoa.

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8 Comentários

  • Reply Frutuoso Chaves 1 de setembro de 2020 at 10:01

    Bela crônica, Tião. Leitura saborosa.

  • Reply JOAO FERNANDES FILHO 1 de setembro de 2020 at 10:11

    lembro de tudo isso tião, tinha a maior inveja de voc~es , tinha muita vontade de ser músico mais não tive a oportunidade , lembro–que certa vez vo~es tocaram no meu bar e eu quase morro de inveja, ou tempo bom que foi embora—————

    • Reply Sebastião 1 de setembro de 2020 at 10:45

      Grande Joca!

  • Reply wergniaud breckenfeld 1 de setembro de 2020 at 11:45

    Parabéns pela maravilhosa crônica, senhor Tião.

  • Reply ARNALDO 1 de setembro de 2020 at 15:16

    Tião, eu me lembro da Requinta. Era um clarinete pequeno, mas com um som muito estridente. Pai tinha uma requinta quando tocava na Banda de Música de Picuí, sob a regência de Mestre Alfredo.

  • Reply Paulo Fernando Menezes Almeida 1 de setembro de 2020 at 15:53

    Belo texto! Parabéns Tião. É do passado que se extrai a saudade. Hoje você amanheceu saudosista.

  • Reply Lúcia Silva 1 de setembro de 2020 at 16:08

    Me fez recordar os bailes de minha adolescência, em Tavares e adjacências nos anos 70. Adorei a crônica.

  • Reply MACEDO 1 de setembro de 2020 at 20:44

    Por falar em Picuí, eu também fui músico da Banda de Música da Prefeitura daquela cidade. Eu tocava Sax Alto, mas foi sob o comando do Maestro Nino Costa, irmão de Ivan Cineminha.

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