Memórias

O Cancão de minhas lembranças (2)

9 de junho de 2021

A festa começava com o nascer do sol. O som dos pífanos de Jericó enchiam os céus do Cancão, anunciando o Dia de São Pedro e o aniversário de Pedro Fogueteiro.
Era um cabaçal modesto, composto por dois pifeiros, um tarol, uma zabumba e dois pratos. Aos ouvidos da criançada, porém, não havia orquestra sinfônica que se comparasse a Seu Nené e seus parentes.
A alvorada musical anunciava a queima de fogos e girândolas pipocavam nos céus sob os aplausos dos moradores.
Carmélia Grossa, a primeira dama da rua, dava ordens, tomava providências, cuidava para que não faltasse comida para os pifeiros e para os convidados. Dali a pouco viria a novena rezada por João Mandu e acompanhantes. Ao seu término, servia-se um café regado a muito bolo, cuscuz, carne guisada de bode e de galinha, farturas mil, tudo na cuia grande, do jeito que Carmélia gostava.
Aos meninos interessava mais os pifeiros e os foguetões. Eles acompanhavam os tocadores imitando-os, usando pedaços de paus como se fossem pífanos e dedilhando buracos imagináveis nos instrumentos improvisados, seguindo o marcar da zabumba e o tinido dos pratos. Uns mais moleques levavam limões às bocas, chupavam e faziam caretas para forçar os pifeiros a encherem as bocas d`água e soprar cuspe nos instrumentos.
A rua parava para festejar São Pedro e Pedro Fogueteiro.
E a noite chegava com a grande expectativa do que seria apresentado pelo fogueteiro homenageado, todo ano criando uma roda de fogo nova, cheia de cores e de mágicas.
Mas os bonecos pisando no pilão não podiam faltar. Os olhos inocentes achavam aquele vai e vem dos bonecos um exercício de mágica. E era mágica mesmo. Eles pilavam numa sequência ininterrupta e só paravam quando o último cartucho de pólvora secava na roda grande que os impulsionava.
Enquanto isso, as bombas de parede estrondavam no oitão da matança, acordando urubus, gatos e cachorros que se postavam no local aguardando a carniça da sexta-feira.
E a molecada soltava mosquito no meio das mulheres só pra vê-las correndo com medo do fogo que lhes subia pelas pernas.

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