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O DIA EM QUE O TENENTE CAMILÃO DEU VOZ DE PRISÃO AO PROMOTOR

24 de maio de 2021

Baixinho e entroncado, Doutor Lourival Ferreira Paiva se impunha pelo grito. Seu timbre de voz era tão gasguito que se fazia ouvir a longas distâncias sem precisar de microfone.
Ficou famoso depois de enfrentar, no Tribunal do Júri, o poeta Ronaldo Cunha Lima.
Ele defendia o Estado e Ronaldo fora contratado a peso de ouro para livrar da cadeia o genro de importante fazendeiro que matara, numa só noite, duas pessoas do lugar.
A oratória do promotor e a poesia do jovem advogado mobilizou a cidade.
O baixinho Lourival aguentou o tombo, fez a acusação, ouviu os argumentos da defesa, pediu réplica e só perdeu na tréplica, depois do advogado apelar para as lágrimas das mães escaladas como juradas, ao declamar
“Mãe eu volto a ver-te na antiga sala
Onde uma noite te deixei sem fala
Dizendo adeus, como quem vai morrer”.
Os 7 a 0 dados ao matador não deslustraram a atuação do promotor, que a partir daquele episódio passou a ser requisitado para discursar nas solenidades cívicas, nas inaugurações, nas festas natalícias e até mesmo nos comícios do seu amigo Antonio Nominando Diniz.
Tinha dois inofensivos vícios: cachaça e torrado. Baixava na budega de Chico Pedro ao nascer do sol e, entre uma pitada e outra de rapé, tomava umas lapadas da branquinha, sempre puxando conversa com o seu indefectível “…é o caso”.
Até que um dia…
Camilão dera baixa do glorioso Exército Brasileiro. Fora reformado como doido na patente de tenente.
Um doido sadio, que namorava, dançava e bebia cachaça. Também jogava sinuca e brigava.
Doutor Lourival não o conhecia, veio a fazê-lo naquela manhã em que conversava na esquina de Antonio Maia, depois de passar a paêta em duas garrafas de cana no Bar de Bartolomeu.
Camilão, de cara cheia, apareceu na conversa do promotor num momento em que este discorria sobre a importância da dialética na fermentação estomacal dos seres invertebrados. Doutor Lourival não aprovou a intromissão indébita, mandou o intruso se calar, o intruso não se calou e o promotor, do alto da sua autoridade, lhe deu voz de prisão.
– Quem tá preso é você -, devolveu o tenente Camilo.
E não se contentando apenas com a palavra, agarrou o baixinho pela gola do paletó e levantando-o do chão, desceu com ele pela Rua Grande, em demanda da cadeia, para desespero dos mais velhos e festa da molecada.
A viagem não se consumou porque, quando a dupla alcançava a calçada do comerciante Eije Kumamoto, foi barrada pelo motorista Sinésio Tenório e pelo jovem Véi de Elizeu, que gritando “tás doido, Camilo!”, tomaram o promotor das suas mãos e cuidaram de recompor suas vestes amarrotadas e levemente molhadas.
Consta que o processo aberto para apurar a ofensa grave ao representante do Ministério Público foi arquivada em razão da inimputabilidade do agressor, devidamente atestada pelo laudo emitido pelo setor médico do Exército.

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1 Comentário

  • Reply luiz 24 de maio de 2021 at 15:45

    Tá desse jeito, quase chegado a hora de amarrar o pirado.

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