opinião

O FIM DO MUNDO

23 de abril de 2023

 

Por GILBERTO CARNEIRO

 

NOS meus tempos de vida na roça tínhamos o hábito de contemplar as estrelas, deitados na calçada à noite, com olhar fixo no céu. A ausência de energia elétrica, ao menos para o regozijo daquele momento, colaborava para um espetáculo que nos fazia, por alguns instantes, esquecer as agruras da vida no sertão. Meu pai apontava o dedo para o céu e dizia: “sempre que sentir-se perdido, olhe para o céu e procure ‘as Três Marias’, então encontrará seu rumo e a paz que precisa”.

Nunca esqueci dessa orientação. Vez ou outra, quando estou meio perdido, busco um ambiente propício e procuro contemplar “as Três Marias” e sinto por trás de uma daquelas três estrelas azuis, de poderoso brilho, a paz emanada da presença espiritual do meu velho.

Meu genitor, as vezes, usava um tom de voz alarmista quando se referia às fulgurantes estrelas que representam, na tradição cristã, as três mulheres que visitaram o túmulo de Jesus na ressurreição: “mas haverá um tempo que olhará para o céu e não mais avistará as “Três Marias”, e quando isso ocorrer será o fim dos tempos” – pronunciava com uma entonação lúgubre.

Crendice do meu pai – pensava com meus botões – para agora perceber que a tese do fim do mundo não é algo intangível e inverossímil. Não há nenhuma conexão com a constelação popularmente conhecida como “as Três Marias”, que fica completa em nosso céu durante toda a noite apenas no verão e, por força do movimento elíptico da Terra, meu pai tinha dificuldades de vê-las nas outras estações do ano. O fim do mundo, ou ao menos da humanidade, tem a ver com as mudanças climáticas impulsionadas pelas atividades humanas com a queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo, gás, desmatamento de terras e florestas.

Nesta esteira, O Plano Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC, órgão da ONU, divulgou um relatório assustador e alertou: “Ou a humanidade assume o compromisso de limitar o aquecimento global a 1,5ºC graus cellsius ou não passaremos deste século”.

Com base nos planos climáticos existentes, caso medidas efetivas não sejam implementadas por todos os líderes globais, a temperatura da Terra deverá atingir cerca de 3,2 °C até o final deste século, o que inviabilizará a sobrevivência da vida humana. As concentrações de gases de efeito estufa estão em seus níveis mais altos em 2 milhões de anos. E as emissões continuam aumentando. Como resultado, a Terra está agora cerca de 1,1ºC mais quente do que no final do século XIX. A última década (2011-2020) foi a mais quente já registrada.

Não faz muito tempo que a ótica do governo no Brasil era de completo desdém com a gravidade das mudanças climáticas. Reverberavam tratar-se de bravatas, movimentos messiânicos, fanatismos e exageros dos ambientalistas. É certo que a ação climática requer investimentos financeiros significativos por parte de governos e empresas, porém a inação climática é muito mais cara. As consequências das mudanças climáticas agora incluem, entre outras, secas intensas, escassez de água, incêndios severos, aumento do nível do mar, inundações, derretimento do gelo polar, tempestades catastróficas e declínio da biodiversidade.

 

Aqui na Paraiba, a administração pública insiste em alargar a faixa de areia da orla, e para tanto, contratou a mesma empresa que, em Balneário de Camboriú, foi a responsável por executar a obra na qual se espelha a prefeitura de João Pessoa. Como é sabido, lá teve sérios problemas, como surgimento de degraus e lagoas na faixa de areia, além do avistamento de tubarões nas proximidades da costa. E como se não bastasse o valor que irão gastar para corrigir os problemas provocados, R$ 330 milhões, é quase quatro vezes mais do que o valor gasto com a ampliação da faixa de areia.

Nos meus momentos de aperreio manterei minha rotina de contemplar as estrelas. As “Três Marias” tão admirada por meu pai sempre estarão resplandecentes no céu na estação do verão, mas não há nenhuma garantia que os filhos dos filhos dos nossos filhos existirão para deitar-se nas calçadas e contemplar a reluzente constelação. Na sua sapiência popular meu pai estava certo: O Fim do Mundo está próximo.

 

 

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