Por GILBERTO CARNEIRO
ESTAVA quase na hora do crepúsculo no penúltimo dia do ano. O sol era um olho cingido de vermelho que se fechava lentamente ao se encontrar com o horizonte. Naquele instante o ar tinha uma densidade que aliviava a pele, e o rio, cintilante produzia apenas um murmúrio sonolento.
Sentado na grama, com as costas apoiadas no tronco de uma árvore, afagava o pelo filamentoso de Bruce, meu cachorro, deitado ao meu lado. Faltava uma hora para o pôr do sol, mas eu não tinha pressa. A única coisa que me interessava naquele momento era apreciar a dádiva da chegada do crepúsculo, o instante fabuloso em que o sol se aproxima das águas prateadas do rio Paraíba e desenha um rastro de fogo na superfície. Naquele final de tarde, como a conspirar para a completude do meu silêncio, o local estava deserto. A promessa da visão do sol se pondo dava-me alguma tranquilidade, um estado tão próximo do equilíbrio que me reconfortava e me permitia ainda pensar na existência palpável da felicidade, feita à medida das minhas também reduzidas ambições.
Disposto a esperar pelo entardecer na “Casa da Pólvora” saquei da mochila o romance do cubano Leonardo Padura: “O Homem que amava os cachorros “. Entre tantos possíveis, por que decidira levar nesse dia aquele livro, e não outro? Creio que o escolhi com uma total inconsistência em relação ao que isso podia significar e unicamente porque relatava a história de um homem que amava os cachorros e que tinha vivenciado períodos muito difíceis em sua vida. Na privacidade daquele momento me veio a mente as várias noites de estratégias de sobrevivência para resistir e não desmoronar diante de imagens pungentes de práticas cruéis e lacerantes para se confessar o que não se fez. Ao fim e ao cabo mais um ano encerra seu ciclo e sigo como sobrevivente da saga do law fere paraibano, sem sucumbir.
Assim, desprovido de qualquer preocupação, com toda atenção dedicada à impressionante paisagem do estuário do rio Paraíba, na encosta da Ladeira São Francisco, sentado sobre a relva, Bruce com a cabeça apoiada nas patas, olhar fixo no horizonte a imitar-me, podia vislumbrar toda a área do Porto do Varadouro com a foz do rio Sanhauá. Foi ali, naquele instante, inspirado pela paisagem, a leitura que fazia e a beleza exuberante do pôr do sol, que fiz uma retrospectiva dos últimos quatro anos, período que optei por silenciar e me recolher dando tempo ao tempo para dissipar as tenebrosas nuvens que insistiam em pairar sobre o céu da minha vida.
Optei por me recolher ao meu mundo, reservei-me para minha família e fortalecimento da minha fé. Evitei encontrar amigos, os poucos moicanos que mantiveram confiança na minha retidão, mesmo com o massacre midiático ao qual fui alvo. O meu afastamento deu-se para preservá-los do movimento distópico em curso.
Não alimento ódio. Um padre amigo uma vez me disse que há uma diferença entre ódio e indignação. O ódio faz você olhar sempre para trás, enquanto a indignação nos mantém firmes em direção a superação, sem esquecer as injustiças e atrocidades às quais vivenciou. Os sinais de fumaça com as boas novas começaram a despontar e o ano de 2024 tem tudo para tornar-se a temporada de importantes acontecimentos para restabelecer a verdade sobre os fatos.
O sol se pôs no oeste. Bruce late me advertindo da necessidade de irmos embora, mas não sem antes rezar e agradecer a Deus, afinal, “cada dia é uma vida inteira. Começa ao amanhecer e morre com o pôr do sol para renascer com a aurora” (Edna Frigato).
Feliz 2024 amigos leitores!
2 Comentários
Que bela crônica 👏👏
Pra todos nós um novo ano de paz e muitas alegrias 🙏
Parabéns pelo belíssimo escrito, muita fé, com determinação e força. A verdade sempre prevalecerá, com a justiça de Deus 🙏🙏🙏🙏