Ramalho Leite
O político e escritor Ivan Bichara Sobreira, cajazeirense do colégio Padre Rolim, teria completado cem anos em maio de 2018. As cidades onde atuou politicamente e as entidades que honrou com sua participação, uniram-se para a merecida homenagem. Estive na sessão conjunta da Assembleia e Câmara da capital, proposta pela deputada Camila Toscano e pelo vereador Milanez Neto. Ouvi vários discursos que enalteceram a figura do exemplar homem público. Facultaram-me a palavra e eu fui à tribuna, apenas, para preencher uma lacuna nas falas dos outros. Esqueceram de lembrar a fina ironia e o humor cáustico de Bichara. Resolvi contar alguns fatos e agora vou repeti-los para os que me seguem neste espaço e nas redes sociais.
O líder do seu governo, (eu era vice-líder e iniciante na AL) deputado Evaldo Gonçalves, cansou de ouvir as queixas dos seus liderados sobre fatos do governo que levaram a bancada de sustentação ao descontentamento. Resolveu tratar do assunto com o chefe do executivo. Foi marcada uma reunião em Palácio. O governador, sentado em amplo sofá sob o quadro da prisão de Peregrino, tinha ao seu redor cerca de vinte deputados. Cada um apresentou seu queixume e o paciente Bichara apenas ouvia. “Ele sabia ouvir como ninguém” disse Germano Toscano, seu chefe de gabinete. Terminada a cantilena parlamentar, foi a vez do governador falar:
– Vocês não estão satisfeitos com o meu governo? Pois vou lhes confessar uma coisa: eu também não estou!
Os espíritos foram desarmados e as armas ensarilhadas…
Em uma de suas visitas ao Poder Legislativo, ficamos a lhe fazer sala no gabinete da presidência, enquanto não se iniciava o evento. Eu, Waldir dos Santos Lima, Edvaldo Motta, Sócrates Pedro e Orlando Almeida aproveitávamos para encaminhar alguns assuntos do nosso interesse. O deputado Sócrates Pedro, como se sabe, era cunhado do empresário Walter Brito proprietário da Real, e intermediário dos seus assuntos junto ao governo. No meio do papo, o deputado Orlando Almeida começa a narrar um fato que se passara em Campina Grande. Meio prolixo, Orlando demorava muito a concluir, buscando detalhes desnecessários. Impacientei-me e adverti o querido colega:
– Orlando, o governador é muito ocupado. Apressa essa conversa: para chegar em Campina você está arrodeando por Princesa Isabel…
O governador riu da minha pilhéria e fez a dele:
-Fala baixo, Ramalho, se não o Sócrates vai querer registar essa linha de ônibus…
Na campanha municipal de 1976, uma vereadora da capital, já sexagenária e sem muita disposição para a luta, procurou-o para pedir ajuda. Na conversa, lembrou ao governador que sua principal concorrente era uma linda jovem, quase dois metros e como muita disposição para pedir votos e, acrescentou:
-É uma luta desigual, dr.Ivan!
-Realmente é muito desigual, respondeu Ivan.
Sua incursão pela literatura nos deixou vários romances e ensaios, notadamente sobre José Lins do Rego, sua especialidade. Em um deles, não sei se Carcará ou Joana dos Santos, quase morro de rir com um personagem, casado com moça nova e recentemente saída do parto. A mulher procurou o médico levando a criança raquítica, mais parecendo um produto daqueles países africanos onde a fome é quem dá as ordens. O médico admirou-se da fragilidade da criança e destacou:
– A senhora com tanto leite e deixa seu filho nesse estado?
A resposta da aflita mãe, retrata o humor de Bichara, também presente na sua obra.
– Não sobra nada para a criança, doutor: meu marido bebe todo o leite!
1 Comentário
Parabéns, Ramalho Leite!
Gosto muito dos teus causos e da maneira singela e sem arrodeios com escreve.
Abraço.