Marcos Pires
Andei 315 quilômetros em 10 dias percorrendo o caminho de Santiago de Compostela pelo interior da Espanha. Temperatura matinal média de 6 graus, chuvas insistentes, ladeiras que eram subidas e descidas varias vezes por dia em altitudes de até 1.500 metros. A secreção veio como uma velha amiga do peito, a respiração tornando-se mais difícil e a cada passo a incerteza de que haveria condições de dar o passo seguinte. Muito cansaço. Cada etapa vencida mostrava o quão distante eu estava do que havia planejado.
A partir do sexto dia de caminhada o corpo ia sozinho. Às vezes eu tentava apressar o passo, porém o eixo central da rebimboca da parafuseta que deve existir em nosso interior travava qualquer movimento que não fosse de seu controle.
Algumas coisas pensadas deram certo, como a vaselina nos pés para escapar das bolhas ou as pomadas nas dobradiças do corpo para evitar assaduras e lacerações. Também o consumo de água, que eu me forçava a beber mesmo sem sede.
Outras coisas tive que adaptar, como os tempos de caminhada, que estimei em até 5 horas por dia, mas devido às dificuldades do caminho chegaram a quase 9 horas diárias.
Naquela solidão imensa eu pensava na história do “camiño”. O apostolo Tiago, que depois da crucificação do Cristo participou da evangelização na Palestina, foi decapitado em 44 DC por ordem de Herodes Agrippa, neto daquele Herodes…lembram? Pois bem, consta que antes de ser morto Tiago teria ido à Espanha para evangelizar e ao voltar à Palestina é que foi martirizado. Dois de seus discípulos levaram seus restos mortais de volta à Espanha, enterrando-os nos confins da Galícia. Mais de 700 anos depois um ermitão de nome Pelayo assistiu durante noites seguidas a uma chuva de estrelas nos campos onde morava sozinho e contou ao Bispo da região esse fato. Ordenadas escavações, localizaram uma arca de mármore com os ossos do Santo. Daí São Tiago ter se transformado em Santiago e os campos de estrelas chegarem até nós como Compostela. As peregrinações começaram por volta do ano 950 e hoje em dia Compostela está entre as 3 mais importantes destinos do mundo católico.
Naquela imensidão de história e dores, de enorme cansaço e desconforto, num determinado momento minha cabeça mudou meu corpo. Não sei bem o que aconteceu, porém me senti muito leve, uma tranquilidade enorme me invadiu. Nada sobrenatural, apenas o esvaziamento de um peso que eu levava dentro de mim sem saber. E aí tudo fluiu extraordinariamente. Acho que voltei melhor e espero continuar assim.
Do que me importa fiz o melhor caminho.
Hoje me sinto em paz. Plenamente em paz.
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