Marcos Pires
Meu colega escritor René Descartes ensinava em seu “Discurso do método” que o bom senso deve ser a coisa mais bem distribuída do mundo porque até mesmo os mais difíceis de contentar não pretendem ter mais bom senso. Andou certo o querido René; mesmo quando nos dirigimos a Deus pedimos mais saúde, mais dinheiro, mais tempo de vida…, porém não conheço ninguém que tenha rezado algum dia implorando por mais bom senso.
Como sou praticante do nadismo, aproveitei uns dias nos quais sempre me dedico a não fazer absolutamente nada para avançar nesse pensamento e cheguei a uma conclusão; o ser humano também não tem a mínima ideia do que lhe é suficiente. Querer sempre mais pode até ser interessante no início, porém há de trazer prejuízos terríveis quando ultrapassado o limite do suficiente.
Pode-se observar isso tomando qualquer caminho. Dinheiro, por exemplo. Haverá um dia em que o cidadão vai achar que já tem dinheiro suficiente? É improvável. Então ele vai acumulando mais e mais dinheiro até que parentes ou amigos começam a pedir emprestado e aí adeus dinheiro, parentes e amigos. Pior ainda, sua fama de milionário ultrapassa seu mundinho e chega ao conhecimento de bandidos que procurarão sequestrar filhos a fim de um resgate. Algo mais prosaico seria a esposa começar a exigir bolsas Birkin de 40 mil dólares ao invés das (agora) pebas Arezzo ou o filho bater o pé por uma Ferrari. Atreva-se a não fazer as vontades deles para ver seu lar se transformar na sucursal do inferno… .
Saúde? Ora, ora; eu mesmo fui vítima do excesso. Apesar de sempre ter praticado esportes (nado desde os 6 anos de idade) um belo dia descobri as corridas de rua. Sem qualquer orientação técnica comecei a treinar intensivamente e depois loucamente. Cheguei a correr pela manhã e à tarde além de uma fortíssima musculação também diária. O resultado foram hernias de disco que me colocaram 6 meses na cama.
Até na política o excesso prejudica. Começa quando o cidadão cega de paixão por um determinado candidato, seja de esquerda ou direita e passa a acreditar em tudo que lhe é dito, principalmente na honestidade do seu ídolo. A decepção é terrível, sempre. A menos que continue cego de paixão depois das revelações que sempre acontecem.
Poderia continuar nessa pisada e demonstrar que em qualquer atividade humana há a necessidade de um limite e que esse limite será sempre o suficiente porque o que se segue a essa linha pode prejudicar tudo o que foi conquistado anulando a conquista ab initio.
A grande questão: qual é o limite do suficiente? Prometo a vocês que se minha abissal preguiça permitir, sacrificarei umas horas do nadismo para pensar a resposta.
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