Por Sérgio de Castro Pinto
As parteiras deram-no como morto. Não fosse o seu pai, Miguel Fotógrafo, que praticamente o ressuscitou, descobrindo-o vivo, Sebastião Lucena não estaria aqui para contar a sua história. Uma história composta por outras pessoas, as que povoaram a sua infância, a sua adolescência, a sua idade madura. Sim, porque não existe memória sem a participação dos outros, sem que se leve em conta que o que consideramos como memórias exclusivamente nossas, incorporadas ao nosso patrimônio pessoal, algumas vezes, são memórias ou lembranças dos outros, distorcidas e adequadas ao sabor das nossas conveniências e idiossincrasias.
Gaston Bachelard já observou que o memorialismo, apesar de ser um gênero em que o eu se extravasa, mesmo assim o narrador deve partir do princípio de que a sua unidade somente será obtida pela narração dos outros. E isso Sebastião Lucena o faz com engenho e arte, até mesmo pelo ser gregário que ele é e sempre foi. Mas se as histórias de Sebastião Lucena são dele e dos outros, elas possuem um jeito de narrar Sebastião, a impressão digital de Sebastião, que as distribui generosa e perdulariamente com os outros.
Observar ainda que Sebastião escreve difícil porque escreve fácil, sem ser simplista, sem firulas estéreis, contraproducentes, sem se arvorar em ser experimentalista ou experimental, ou seja, aquele tipo de escritor que experimenta, experimenta, apenas experimenta, sem chegar a lugar algum. Quem escreve sabe o quanto é difícil provocar o riso ou o sorriso do leitor. Numa história contada oralmente, quando quem a narra dispõe dos gestos, dos trejeitos, da entonação da fala, do timbre de voz, enfim, dos recursos cênicos, teatrais, fazer o espectador rir ou sorrir não é tarefa das mais difíceis. No entanto, fazer o leitor rir ou sorrir por meio da palavra escrita é que são elas. E Sebastião consegue esse feito que não é para qualquer um. Que o digam os causos que ele fia e desfia, enreda e desenreda, com a habilidade de um tecelão.
A par desses recursos estilísticos, acrescente-se as histórias humaníssimas em que o narrador, já mesmo por não cultivar as flores da retórica, não tem como regá-las com o fresco orvalho da inspiração. No entanto, se a prosa de Sebastião é substantiva, nem por isso ele deixa de “perfumar sua flor” ou de “poetizar o seu poema”, só que o faz na medida certa, parcimoniosamente, sem excessos.
Em Lembrar para Não Esquecer, às reminiscências de Princesa Isabel, Lucena junta às de João Pessoa, cidade que guarda uma certa semelhança com um dos episódios do romance O Ateneu, de Raul Pompéia, quando, diante do vetusto prédio do internato, o pai de Sérgio, personagem principal do romance, o advertiu: “Vais descobrir o mundo!”. E de fato ele o descobriu, assim como Sebastião também descobriu, quando, sem régua e sem compasso, pôs os pés no terreno minado desta antiga cidade de Filipéia de Nossa Senhora das Neves. Passou, então, a descobrir, com o seu tato de jornalista congenial, o mundo dos bastidores da política e até do submundo político. E a isso tudo ele narra numa linguagem direta, sem tergiversações ou circunlóquios. Numa linguagem objetiva, repito, mas sem se enquadrar entre aqueles que Nelson Rodrigues denominou de “idiotas da objetividade”. Para usar de uma expressão cara ao poeta Murilo Mendes, Sebastião Lucena, nesse livro e fora dele, longe de ser um sobrevivente, continua a ser um contemporâneo de si mesmo, o enfant terrible de uma vida inteira. E tanto é assim que alguns não o pouparão, sobretudo aqueles que aparecem mal na fita e se julgam cidadãos acima de qualquer suspeita, pois flagrados no calor da hora, no epicentro do furacão, nas situações-limite por que passaram, certamente estão longe de se reconhecerem nas falas, nos gestos, nas ações e omissões descritos através da pena do jornalista que procura ser fiel aos fatos assim como o é aos seus amigos, sobretudo àqueles que caem em desgraça e retornam à planície.
Tenho para mim que o memorialista, o biógrafo, o pesquisador, o historiador etc., salvo algumas distinções, algumas especificidades, pertencem a um mesmo ramo familiar. E creio que o memorialista, por exemplo, surge na mais tenra idade, quando, menino ainda, lança um olhar nostálgico sobre as coisas ao seu derredor e experimenta um amargo e profundo sentimento de finitude. A partir de então, à semelhança de um voyeur astuto, bisbilhoteiro, perspicaz, recolhe e guarda nos desvãos da memória, quer através da visão, do olfato, da audição, do tato e até mesmo da intuição, do sexto sentido, os seres e as coisas que ele sabe terem vida breve, efêmera. Isso sem contar que também cumpre a ele colher informações de terceiros, das fontes que julga confiáveis.
Resta-lhe, por último, utilizar a linguagem como um instrumento capaz de dar permanência a tudo o que aparentemente sólido desmancha no ar. E é isto, justamente isto, o que faz Sebastião Lucena nas páginas desse excelente livro. *Prefácio do livro Lembrar para Não Esquecer, de Sebastião Lucena. (transcrito de A União)
5 Comentários
Os livros da lavra de Tião Lucena, caem facilmente no agrado de todos daqueles que tem acesso, que se empolgam com a facilidade com que ele narra os fatos ocorridos na sua infância na sua terra Princesa Isabel e depois já na juventude, quando veio residir aqui na nossa capital para estudar e trabalhar.
Como eu escrevi certa feita, Tião consegue tornar fácil, aquilo que é bem dificil que é escrever e relatar os fatos que ele participou ou então aqueles dos quais ouviu apenas falar.
Se não bastasse a admiração dos seus muitos leitores, Tião vem recebendo sucessivos elogios dos nossos grandes intelectuais, sendo o último deles, o Imortal da Academia Paraibana de Letras, Sérgio de Castro Pinto, em artigo publicado no Jornal A União, em que o mesmo não mede elogios a maneira singular e fácil de escrever de Tião Lucena, principalmente a facilidade que ele tem de fazer rir os seus muitos leitores.
Parabéns e continue brindando nós os seus leitores com os seus trabalhos literários, bem como os muitos casos, que pública no seu blog.
“E a isso tudo ele narra numa linguagem direta, sem tergiversações ou circunlóquios. Numa linguagem objetiva, repito, mas sem se enquadrar entre aqueles que Nelson Rodrigues denominou de ‘idiotas da objetividade'”. Repare no que diz o poeta Sergio de Castro Pinto sobre o livro Lembrar para não esquecer. Trinta anos de cátedra em literatura brasileira na UFPB, obras ensaísticas e prêmios literários nacionais pelos seus livros de poesia, a exemplo de Domicilio em Trânsito, é o que o autor deste prefácio, imortal da Academia Paraibana de Letras, tem na sua mochila, na sua bruaca de intelectual .
O livros de Tião Lucena, caem facilmente no agrado de todos daqueles que tem acesso, que se empolgam com a facilidade com que ele narra os fatos ocorridos na sua infância na sua terra Princesa Isabel e depois já na juventude, quando veio residir aqui na nossa capital para estudar e trabalhar.
Como eu escrevi certa feita, Tião consegue tornar fácil, aquilo que é bem dificil que é escrever e relatar os fatos que ele participou ou então aqueles dos quais ouviu apenas falar.
Se não bastasse a admiração dos seus muitos leitores, Tião vem recebendo sucessivos elogios dos nossos grandes intelectuais, sendo o último deles, o Imortal da Academia Paraibana de Letras, Sérgio de Castro Pinto, em artigo publicado no Jornal A União, em que o mesmo não mede elogios a maneira singular e fácil de escrever de Tião Lucena, principalmente a facilidade que ele tem de fazer rir os seus muitos leitores.
Parabéns e continue brindando nós os seus leitores com os seus trabalhos literários, bem como os muitos casos, que pública no seu blog.
Agradeço a Aldo e Pedro. Aldo, amigo e ficcionista da melhor cepa, precisamos nos reencontrar. E que o livro de Tião faça o sucesso que ele merece. Abraços em todos.
Esriu aguardando ansioso a chegada do livro. Tião me disse que postou ontem, Assim como o anterior tenho certeza que vou devorar em dois dias no máximo. Apesar de já ter lido o anterior, comprei novamente pois um.amigo me tomou.