opinião

O MÉDICO

22 de outubro de 2023

Por GILBERTO CARNEIRO


ESSA semana foi comemorado o Dia do MÉDICO. É uma profissão admirável e digna, merecedora de uma atenção especial por parte da nossa classe política. É inegável a importância do médico ou médica na história da saúde em nosso país. Há 200 anos essa trajetória tinha início com a abertura da primeira Faculdade de Medicina no Brasil, em Salvador, Bahia. Talvez, o Brasil seja um dos poucos países a implantar um sistema de saúde garantidor da universalidade do acesso e integralidade da atenção básica e, embora o SUS seja integrado por uma rede de profissionais de saúde, todos com uma relevância específica, o médico exerce um papel fundamental.

Existem atualmente no Brasil 514 mil 275 médicos, o que representa, 2,7, médico para cada mil habitantes, uma boa média nacional, próxima à de países como Coreia do Sul – 2,5/mil e EUA – 2,6/mil.

Há um fato interessante. As mulheres são maioria entre os recém-formados em medicina e, em 2024, pela primeira vez, devem ser maioria também na profissão. As mulheres serão mais de 50% dos médicos, com perspectiva de chegar a 56% ou 57% na próxima década. Esta perspectiva reforça que a feminização da carreira é um marco importante na demografia médica e que isso, como em outras áreas, vem acompanhado de desafios para conter as desigualdades de gênero,

No entanto, a positividade dos números esbarra por aí. Estudos revelam que os salários de profissionais da área médica do gênero feminino são, em média, 30% a menos que os profissionais médicos do gênero masculino, ocasionando um desequilíbrio salarial injustificável sob situações concretas semelhantes. Outra situação preocupante é a disformidade na densidade médica no Brasil, variando muito no território, sendo possível encontrar 6 médicos para cada mil habitantes no Distrito Federal e apenas 1 para cada mil no Maranhão.

Há um outro aspecto desolador, a desproporção na qualificação dos 514 mil 275 médicos. Deste quantitativo, o país dispõe de 321.581 médicos especialistas, o que corresponde a apenas 62,5% dos profissionais em atividade no país, sendo todos os demais, 192.634, 37,5%, generalistas.  É muito generalista na profissão, e neste contexto, as entidades nacionais – CFM, AMB e Fenam – tem sido firmes defendendo a fiscalização rigorosa de cursos de graduação, coibindo a abertura indiscriminada de escolas e estimulando a residência médica nas diversas especialidades. Talvez um empenho mais efetivo no combate as abusividades das mensalidades estratosféricas par parte de faculdades privadas contribuísse para o acesso de pessoas menos favorecidas financeiramente aos cursos de medicina. Dados do próprio CFM revela que apenas 3% de profissionais médicos são negros no Brasil.

Esta desconformidade entre o número de médicos residentes e generalistas talvez seja a causa das filas que afetam o nosso Sistema Único de Saúde, pois as especialidades são imprescindíveis para que o SUS possa ampliar uma atenção primária resolutiva, superando o problema do acesso a cirurgias, exames e consultas na atenção especializada, tanto ambulatorial quanto hospitalar.

É fato que o número de alunos de Medicina no país cresceu, mas o total de médicos formados em residência para obter título de especialistas não aumentou na mesma proporção. Uma das causas desta desproporcionalidade consiste na concentração das vagas de residência médica em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, regiões responsáveis por 60% das vagas, conforme reportagem publicada na Folha de São Paulo.

A residência médica é a principal forma de obter a titulação de especialista ao lado de cursos oferecidos pelas sociedades médicas. As vagas para residentes e de planos de carreira no sistema público, porém, seguem desigualmente distribuídos pelas regiões, concentrados sobretudo em capitais e zonas metropolitanas, sendo os especialistas, ao final, absorvidos principalmente pelo sistema privado.

Mas talvez esse problema tenha alguma conexão com o modelo remuneratório da profissão. Conheço muitos médicos. A família da minha esposa é formada, na sua maioria, por profissionais médicos e estudantes de Medicina.  Tenho alguns amigos neste segmento que me relatam fatos que desestimulam a residência médica.  –  “você começa a estudar para a residência enquanto faz a Faculdade. É uma loucura a equação entre o número de vagas e a quantidade de candidatos. E então, não sem muita luta você é aprovado na seleção, fica de dois até cinco anos na residência e depois acontece de voltar para sua cidade e descobri que o seu colega de turma, que não se especializou, está lá trabalhando desde o término do curso, recebendo 30, as vezes 40 mil contos por mês. Como é isso? Cadê nossa representação parlamentar na Câmara Federal e no Senado que não enxerga estas distorções?” – bradou uma amiga médica em um tom um tanto angustiante, como se fosse um pedido apoio.

 

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