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O “ MICASSÁRIO” DE TIÃO LUCENA

20 de dezembro de 2021

 

ALDO LOPES DE ARAUJO

 

O homem tem tudo para ser uma lenda. Nasceu morto, segundo seu próprio relato, no dia 19 de novembro de 1951, na forma da sentença irrecorrível da parteira, do alto dos seus conhecimentos empíricos de obstetrícia. Mas os olhos de seu Miguel — e o desejo de ser pai desse setentão foda — fizeram-no ressuscitar. Já o adjutório de um santo de pau — assassinado a flechadas pelos milicianos fundamentalistas da Idade Média — foi o recurso manejado por dona Emília para o menino se tornar viável e se criar.

Tia Jovem, uma espécie de Amaranta do romance Cem Anos de Solidão, levou o recém-nascido até a alcova de Maria Aurora, a velha matriarca dos Diniz, que tinha uma boneca adivinhona. Em cima da bucha, a Pitonisa do Sertão — nossa Cassandra tupiniquim — rasgou a vida do infante, desbulhou o futuro daquele que um dia seria Sebastião Florentino de Lucena, jornalista de batente, procurador do Estado, juiz classista, cronista e escritor de um mói de livros reconhecidos pelo público e pela crítica especializada. Tia Jovem voltou para casa assombrada, pela primeira vez teve medo de escorregar e o menino se estender no chão.

Da certidão de nascimento, seu nome saltou para o expediente dos jornais, para as lombadas dos livros nas estantes mais exigentes, para as ondas do rádio e as imagens de TV. Antes, porém, era apenas Tião, Basto, Bastim, Bastião, Sebasto e Tuta, menino escolado nas artes da safadeza, criado sem quintal, à rédea solta, mas sob os rigores do cinturão corretivo de seu Miguel. Já taludo, Tião virou o galã dos bailes de Zé de Menininha, Ogírio Cavalcanti e os Tuaregs, sem falar na buate de Bartô, ao lado dos bonitões João de Carlota, Zé de Lourenço e Bastim da Cachoeira.

Domingo, em seu blog, Zé Duarte, o pequeno notável, do alto de sua incontestável erudição, reproduz um texto já publicado anteriormente e crava: “Tião é assim, do jeito que ele é: autêntico, sem subtrair ou acrescentar nada que seja capaz de alterar sua maneira de ser. Sua matéria-prima é o próprio mundo que o cerca, contra o qual combate sem medo”. Na visão de Duarte, na minha e na de todo mundo e de São Raimundo, Tião Lucena é a um só tempo admirado e odiado. “Ele possui qualificações adicionais que o caracterizam ainda mais, firmam sua marca registrada mesmo que aqui e acolá ultrapasse o limiar de certas convenções”.

A meu ver, e já discutimos isso antes, o admirável na roupagem literária que veste os textos de Tião Lucena é a sua linguagem espontânea, de um coloquialismo surpreendente, a ponto de carregar o leitor junto com ele pelas artérias da cidade. A gente sente o peso ou a leveza de cada palavra, tanto quanto as pedras da rua por onde a sua leitura nos arrasta. E nisso, vemos as fachadas que não existem mais, os parapeitos das janelas da Coronel Marcolino, onde se debruçam fantasmas de um tempo cada vez mais distante.

 

Em tempo: Chico Pinto também aniversariante. E Humberto de Almeida, idem. Registre-se na ata do bem-querer. Dois amigos. O primeiro, do batente do jornal, do Ponto de Cem Réis. O segundo, também do Ponto de Cem Réis e das tertúlias literárias.

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1 Comentário

  • Reply Angela 20 de dezembro de 2021 at 16:52

    70 anos e exibindo charme com um chapéu
    Panamá…… Não é pra qualquer Um!
    Parabéns, Tião!

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