opinião

O MINISTÉRIO PÚBLICO

8 de setembro de 2024

   

Por GILBERTO CARNEIRO

FALTAVA praticamente uma hora para a saída do ônibus. Ainda era possível mudar de ideia. Podia simplesmente pegar minha mala, arrastá-la pelo terminal, ultrapassar a passarela e pegar o caminho de volta para casa. Poderia tentar esquecer a ideia que me parecia completamente sem sentido. Talvez em algum momento consiga dar boas risadas daquela noite, quando estava sozinho e depois de beber mais taças de vinho do que estava acostumado decidi que já bastava, chegara o momento de ir embora de Jacobina, daquela cidade que amava, mas que não me oferecia oportunidades.

Desembarquei em João Pessoa no dia seguinte, em um fim de tarde de verão do final da década de 80, no arremate do ano de 1989. O anoitecer já tinha absorvido os últimos pedaços suculentos do dia que morria na terra aonde o sol nasce primeiro. Me sentia como se estivesse fugindo de mim mesmo ao fugir de minha rotina. No banheiro do terminal rodoviário, em frente ao espelho, meu reflexo me encarava de volta e a cabeça pesava, o arrependimento se apossando de mim como uma ressaca sobre outra ressaca. Sentia-me cansado, como se alguém tivesse passado cada parte do meu corpo em um espremedor e todos os músculos houvessem rompido. Tinha dormido quase nada no percurso de 1.200 quilômetros e agora estava aqui, me perguntando: – E agora? Não há o que fazer, pensei. É hora de encarar a nova realidade. E do Terminal Rodoviário saí direto para as ruas do centro apinhadas de gente e a primeira impressão não foi muito agradável ao passar pelas barracas insalubres em frente à rodoviária, local este que 16 anos depois, no ano de 2005, dava uma efetiva contribuição na condição de Procurador – Geral do Município, ao então prefeito Ricardo Coutinho, que inaugurou logo nos 100 primeiros dias do seu governo o Terminal de Integração, uma obra revolucionária que ficou gravada na história da cidade ao tornar aquele espaço um ambiente urbanizado e funcional ao permitir que os usuários do transporte público se locomovam da sua origem ao seu destino utilizando dois ônibus e pagando uma só passagem.

No entanto, até galgar o espaço que almejava passei por muitas dificuldades. Mas um dia, desempregado, perambulando pelas ruas do centro histórico tentando vender consórcios que ninguém adquiria, vi em um jornal de banca de revista o anúncio de um concurso público para o Ministério Público da Paraíba. Não tinha a menor noção que tipo de função o órgão exercia, mas decidi que faria a inscrição. Durante o dia tentava vender qualquer coisa que proporcionasse alguma renda para ajudar com as despesas na casa da minha irmã em que eu morava no Valentina Figueiredo, e à noite passava em claro estudando as matérias do concurso e do vestibular.

Um certo dia ao chegar em casa minha irmã me aborda assustada e nervosa. – “acabou de sair daqui uma mulher em um carrão preto institucional, dirigido por um motorista. Estavam à sua procura. Ela deixou um número de telefone para entrar em contato. O que você aprontou?”. Foi quando soube da notícia que havia sido aprovado no concurso público e a visita da desconhecida era na verdade de uma servidora do Ministério Público para comunicar da necessidade urgente de me apresentar para tomar posse no cargo para o qual tinha sido aprovado.
Minha posse aconteceu no ano de 1991, decorrente do primeiro concurso realizado pela instituição ministerial, portanto tenho exatos 33 anos de serviços prestados ao Ministério Público, tempo de serviço que, somado ao tempo de trabalho em empresas privadas seria tempo suficiente para me aposentar, não fosse o requisito da idade mínima, me faltando apenas  três anos para ter direito usufruir da merecida aposentadoria.

 

Quando assumi, o Ministério Público era uma criança que havia acabado de nascer, com estrutura precária funcionando em um prédio tosco nas Boninas, no centro da cidade. No entanto, sua mãe, a Constituição Federal de 1988, lhe dera atribuições multifacetadas incorporando desde a titularidade da ação penal pública à proteção das minorias; indígenas e quilombolas, passando pela proteção e à defesa do meio ambiente; do patrimônio público; do consumidor, da criança e do adolescente; da mulher vítima de violência doméstica; do combate à sonegação fiscal e lavagem de dinheiro, chegando até o combate ao tráfico de drogas e ao crime organizado.

É certo que o mister dos membros do Ministério Público, promotores e procuradores de justiça, que não se confunde com as atribuições dos seus servidores, é de extrema importância, pois são eles os comandantes da embarcação ministerial. Todavia a relevância da missão do seu quadro funcional, seja de servidores de carreira, comissionados e terceirizados, é indiscutível.  Sem eles, principalmente a velha guarda do primeiro concurso, que se mantém firmes e fortes no exercício das suas funções, sem desmerecer os demais servidores que ingressaram nos dois últimos concursos, os comandantes do navio teriam sérias dificuldades de exercer as manobras do Poseidon, principalmente na sua tenra idade, logo no início quando foi jogado ao mar para vencer os inúmeros desafios que lhe foram sendo apresentados ao longo da travessia para aportar em um porto seguro que reconhecesse a importância que tem o Ministério Público atualmente, inobstante alguns equívocos e soberbas na atuação em algumas situações, como foi o caso da Lava-Jato e da famigerada Operação Calvário.

O registro que faço é que ao longo de todo o período exercendo minhas funções como servidor de carreira não há nada que desabone minha conduta como servidor do Ministério Público; ao contrário, mesmo quando fui “emprestado” para exercer cargos públicos da mais expressiva relevância à frente do Poder Executivo, prefeitura municipal de João Pessoa e governo do Estado da Paraíba, procurei defender os interesses legítimos e genuínos da instituição ministerial da qual sinto orgulho de pertencer, inobstante tudo pelo qual passei e passo.

 

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