O nosso reveillon

Vou passar o ano novo aqui no meu canto, ao lado da minha velha, escutando o grilo cantar na mata que fica ali adiante. Entramos na idade que dispensa badalação. Preferimos ver de longe o que acontece no mundo de lá.

Os filhos cresceram, formaram suas próprias famílias, ganharam suas prioridades. É a lei da vida. Já passei por isso.Aliás, passamos, eu e minha companheira. Já fomos jovens, já corremos o mundo, já badalamos, cantamos e dançamos.Entramos agora na fase contemplativa da vida. Uma fase boa, adianto pra vocês.

Houve um tempo em que a festa de ano novo era,para mim, a maior de todas.Foi no tempo de Princesa, da singeleza do meu sertão. Era uma festa simples, mas com ares de grandeza. Canoas e carroceis eram armados no meio da rua, barracas serviam comidas e bebidas, no pavilhão do padre o pastoril acirrava a disputa entre o azul e o encarnado e o céu, que já tinha mil estrelas, ganhava o colorido dos balões que singravam o espaço, perseguidos pelos fogos de lágrimas de Pedro Fogueteiro.

Tinhamos o forró de ponta de rua e o baile dos granfinos na rua principal. Casais passeavam de mãos dadas, fazendo juras de amor, e amores eram desfeitos, carcomidos pelo ciúme.

Depois veio a fase mais recente, a das reuniões na casa do velho Cabral. A carne assava na brasa,o uísque pé de burro esquentava as tripas e depois da meia noite, o velho discursava saudando o ano novo e avisando que mais um ano se passara sem que ele “queimasse o fuzi”.

Cabral morreu, dona Marta morreu, Seu Miguel e Dona Emília foram habitar um mundo novo e os que ficaram embranqueceram os cabelos, envelheceram. Mas envelhecer é bom. É sinal de que houve muita vida vivida, muita estrada percorrida e restou muito o que relembrar.

Feliz 2020.