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O ponto mais oriental do comércio.

29 de maio de 2019

MARCELO PIANCÓ 

A sua arquitetura é de péssimo gosto e a sua estranheza é ressaltada pela cor quase macabra que transita entre o púrpura e o bordeaux numa indecisão estética que só confirma a pressa e a despretensão da sua concepção. O Terceirão é, literalmente, uma caixa de alvenaria cheia de tecnologia, um mercado popular que surgiu da necessidade imediata da relocação dos vendedores ambulantes que se instalavam nas artérias do centro da cidade como indesejáveis placas de colesterol urbano que aumentavam o risco de um infarto social. Assim ele nascia como uma espécie de apêndice mercantil e, como todo apêndice, não se sabe ao certo qual função ele exerce. Porém sabemos que ele possui uma importância social que suplanta o seu caráter mercadológico.
O SHOPPING CENTRO TERCEIRÃO foi inaugurado no dia 25 de outubro de 1999, pelo então prefeito Cícero Lucena. Tem em seu nome “TERCEIRÃO”, uma homenagem ao Ex-Governador da Paraíba, Dorgival Terceiro Neto, nome também dado ao viaduto e a praça onde está localizado. Por estar situado em um ponto estratégico por onde circula quase a totalidade das linhas de coletivo da capital, entre a lagoa e a rodoviária, o mesmo foi se tornando uma referência do comércio popular local e seu movimento vem crescendo a cada ano. São mais de 150 lojas que oferecem os mais diversos produtos nacionais, importados e serviços com grande destaque para as novidades eletrônicas. Nada no Terceirão é planejado, ao ponto de não se saber onde começa uma loja e a outra termina, mas no meio dessa confusão você sempre vai encontrar o que procura e vai até levar o que não necessita. A entrada principal fica na Av. Duque de Caxias e se nela falta imponência e portas automáticas, já podemos notar a agressividade comercial dos seus lojistas que utilizam as pesadas portas de cor marrom como expositores das mercadorias, as mais coloridas possíveis, como se estes penduricalhos funcionassem como espelhos e miçangas para atrair o consumidor selvagem. Realmente ao entrar no Terceirão nos sentimos como se o clima e o tempo revelasse uma sensação de esquizofrenia entre passado e futuro, representado por boxes que lembram uma tradicional feira da “sulanca”, mas que vomitam luzes, cores e sons high tech. Numa mesma loja podemos encontrar desde uma simples tesoura ao mais sofisticado smartphone 7G.
A telefonia celular e seus acessórios dominam a cena como se os outros produtos fossem meros coadjuvantes, são películas e capas com o dom mais da multiplicidade do que da perenidade, estes artigos são encontrados em mais de 50% das lojas e só comprova a velha lei da oferta e da procura, são tantas opções de capas para celulares que somos quase forçados a pensar num dilema universal dos tempos modernos, quem nasceu primeiro o Iphone ou a capinha? Porém de uma coisa podemos ficar certo, a maioria dos que trabalham nestas lojas não nasceram há muito tempo, os jovens formam a chamada mão de obra qualificada pela curiosidade, afinal só eles possuem o dom de saber como funciona algo que foi lançado ontem, ou copiado hoje. Sim, a informalidade é latente, pouco comentada e funciona como um pacto virtual entre clientes e lojistas, ao colocar o solado do chinelo no recinto cada cliente está clicando de maneira simbólica na opção que diz, li e concordo com os termos deste shopping que afirma de pés juntos e olhos puxados que aqui nem o pecado é original. Original mesmo é o jeito de encontrar os óculos no grau certo para qualquer vista cansada, pois o exame de vista é feito com uma pequena bíblia escrita em corpo minúsculo e o cliente vai trocando de óculos até achar a leitura perfeita, não existe estudo específico sobre o risco que esta prática traz para a saúde dos olhos, há sim sobre os chamados malefícios dos falsos UVB, óculos de sol, mas sobre as lentes transparentes até agora só foi confirmado que elas combatem àquelas que custam os olhos da cara.
Um capítulo a parte do nosso Terceirão é a sua rústica e inusitada praça de alimentação, instalada no centro do shopping ela não segue um desenho lógico, nem um cardápio ancorado em fastfood, aqui os mais apressados fazem a fome sumir nas coxinhas mesmo ou nos pastéis com caldo de cana. Porém na hora do almoço, que aqui também começa mais cedo, o destaque é a culinária bem tradicional e saborosa da Feijoada do Bigode, espremida entre uma loja de acessórios para celular e outra especializada nas mais famosas corruptelas de marcas mundiais de roupas e tênis como “Naike”, “Pooma”, “Adadis” e outras mais criativas. O Bigode, como ficou conhecido o local, também serve um variado cardápio intelectual de frequentadores assíduos, são músicos, jornalistas, poetas, humoristas e políticos que se encontram quase que diariamente para alimentar a vida social entre copos de cerveja e garfadas do feijão preto mais original de todos os shoppings populares da terra. A Feijoada do Bigode fica estrategicamente localizada, pois de lá se pode avistar quase todo o shopping e perceber, pela frequência, que o conceito de popular está muito mais abrangente ou comprovar que o desejo de consumir gerou uma benéfica má formação nas membranas sociais e misturou as classes. Aqui a estratégia de marketing é inútil diante da alta frequência na segmentação. É como se o excesso de capitalismo gerasse uma espécie de socialismo, onde todos são iguais perante a lei do mercado popular.
O Shopping Centro Terceirão é uma referência tão forte do nosso comércio que provavelmente quem habita em João Pessoa já escutou estas duas frases, “tem no terceirão” e “no Terceirão é mais barato”. É certo também que ele é responsável por algumas frases que nos colocam um mercado de pulgas atrás da orelha diante da qualidade dos produtos, mas no momento de crise em que vivemos estamos mais preocupados com a originalidade do preço do que com a do produto, afinal nosso dinheiro é o bem menos durável nesse mercado de hoje. Assim esse museu de pequenas novidades vai construindo sua história, forjando personagens, mudando trajetos e trajetórias, mas, principalmente, vai continuando a cumprir o seu papel social como uma espécie de agente duplo atuando na fronteira da formalidade. Não existe um estudo da importância ou do impacto financeiro que o Terceirão tem no comércio da capital, mas já não podemos imaginar o centro sem ele, sem sua arquitetura soturna, sem seu jeitão informal, sem seus especialistas em coisas minuciosas, sem sua velada quebra dos direitos autorais e, principalmente, sem sua liberdade de expressão fiscal gritando baixinho contra a carga tributária. Nós já perdemos o constrangimento na hora de consumir, afinal as nossas relações com os bens não são mais duradoras, portanto não queremos saber da sua história, da sua vida e nem do seu passado e assim vamos entrando nesta relação sem formalidades, pelo simples prazer de realizar um desejo.
(MARCELO PIANCÓ)

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3 Comentários

  • Reply Antônio Carlos 29 de maio de 2019 at 16:40

    Belo texto!

  • Reply antonio carlos 30 de maio de 2019 at 10:25

    MUITO BOM

  • Reply Marcelo Piancó 30 de maio de 2019 at 15:04

    Valeu mais uma vez me mestre Tião.

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