O Senador no Inferno

 

POR MARCOS PIRES

Consta que um famoso Senador brasileiro morreu e foi direto para o céu. Lá chegando foi muito bem recebido por São Pedro, que se apressou em cumprir as formalidades de praxe. Acessou a Internet (é meu filho, no céu também tem Internet, por que não?) e verificou que o Senador, por incrível que pudesse parecer, estava habilitado a entrar no céu. Mas como todos os tramites legais tinham que ser cumpridos, disse São Pedro ao político:

“- Senador, está tudo certo com o senhor, pode entrar no céu, mas o regulamente impõe que primeiramente o senhor conheça o purgatório e depois o inferno, para somente então escolher entre as três opções qual a que mais lhe agrada”.

“- O que é isso, São Pedro, é lógico que eu quero o céu. Não vou de jeito nenhum ao inferno ou ao purgatório. Por favor, me deixe entrar”.

“- Não, meu filho, infelizmente você terá que ir para o inferno passando pelo purgatório. São as leis de Deus”.

O Senador ainda tentou argumentar, mas as leis de Deus não são aquelas leis da terra, principalmente do Brasil, que são feitas somente para pobres. Resignado, desceu e passou pelo purgatório, onde uma ligeira visita mostrou um lugar amorfo, sem sombra e sem luz, triste, uma coisa chata. Partiu para o inferno e qual não foi a sua surpresa ao ser recebido pelo cão chefe em pessoa, rodeado de cinquenta mulheres maravilhosas. Ao entrar, foi-lhe servido um champanhe cristal, super gelado, com torradas de caviar e lascas de trufas brancas por cima. Uma piscina enorme o esperava, onde duzentas mulheres, mais espetaculares do que as do seu comitê de recepção, estavam à sua disposição. O resto do dia foi consumido ali, entre um mergulho e outro, sempre com três mulheres lhe servindo lagostas grelhadas embebidas nos mais inacreditáveis molhos e faisão. Champanhe cristal à vontade. Lá pelas cinco da tarde, já cansado, farto da esbornia, decidiu que seu lugar era ali, mas como as regras impunham, tinha que voltar ao céu para dizer a São Pedro da sua opção. Subiu ao céu novamente e encontrou São Pedro sentado ao computador.

“- São Pedro, graças a Deus que o senhor me proporcionou conhecer o inferno, aquilo é que é lugar; com todo respeito ao céu. Mas minha opção é pelo inferno, e se o senhor não se importa, quero ir para lá logo pela manhã”.

“- Meu filho, você tem certeza disso? Olha que depois não há arrependimento, é para sempre a opção”.

“-Tenha medo não, São Pedro, que de arrependimento esse filho de Deus não se queixa”.

“- Então seja feliz. Durma aqui nesta suíte de visitantes e pode voltar ao inferno logo que amanhecer”.

O Senador mal dormiu, pensando na farra que faria no dia seguinte, e por que não, para sempre? Mal saiu o sol, o Senador danou-se para o inferno, chegando lá ao meio dia. Estranhou não haver o comitê de recepção da véspera, mas como já conhecia o lugar foi logo entrando e andando em direção à piscina. Que piscina, qual o que! No lugar da piscina existia um enorme tanque de fogo e fezes, onde ele foi imediatamente mergulhado, e tome-lhe porrada, tome-lhe caldo. Nenhuma mulher somente os diabos mais feios do mundo, cada um mais brabo do que o outro. Havia um que, com requintes de crueldade, exibia a ele em um vídeo com transmissão ao vivo, imagens de sua viúva gastando todo o dinheiro do seu caixa dois, acompanhada do seu maior inimigo político. Uma hora qualquer foi passando o cão chefe e o Senador conseguiu perguntar a ele o que havia acontecido, porque na véspera o inferno estava fantástico, cheio de belas mulheres e todo tipo de mordomia e, no entanto, agora era aquele desespero. O cão chefe deu uma grande gargalhada e disse:

“- Ora, meu caro Senador, ontem nós estávamos em campanha. Hoje é outra história, porque já conseguimos seu voto”. E se foi deixando o Senador encoberto de fogo e fezes, apanhando e levando caldo.