Por GILBERTO CARNEIRO
ESTAMOS a quatro meses do carnaval e para contemplar os desejos de uma jovem ansiosa que acabou de completar 18 anos me submeti a uma fila quilométrica para comprar um ingresso para um evento momesco do próximo ano, me antecipando para não pagar um absurdo maior do absurdo que paguei adquirindo o ingresso com antecedência.
Em razão dessa aventura, transfiro para o leitor uma inquietação: o que leva as pessoas, principalmente os jovens, submeterem-se a permanecer horas em uma fila, pagar caríssimo por um ingresso e ficar sob um sol escaldante em eventos que menosprezam os cuidados mínimos com o bem estar das pessoas, a ponto de provocar a morte por desidratação de uma adolescente em uma dessas festas insanas?
No show de Taylor Swift uma fã morreu devido a desidratação pelo excesso de temperatura no Rio de Janeiro, que chegou naquele dia a sensações térmicas de 55º, contribuindo para a tragédia a dificuldade no acesso à água potável. Neste contexto foi acertadíssima a atitude diligente do ministro da Justiça, Flávio Dino, ao publicar uma portaria tornando obrigatória a distribuição gratuita de água potável em eventos de grande público em períodos de temperaturas excessivas. É insano, é algo surreal você pagar, 100, 200, 300, 400, 800, 1000 reais por um ingresso e não ter direito a uma água mineral ou mesmo a um bebedouro com água potável. Ouvi relatos de mães que afirmam ter ficado 24 horas na fila para comprar ingresso para a filha ou o filho ir a esse show, sendo que uma delas fez todo esse sacrifício para mandar a filha tragicamente para a morte.
0 pós pandemia trouxe algumas situações que precisam ser ajustadas, uma delas é a necessidade de realinhar as mentes das pessoas que acham ter morrido na pandemia e por isso precisam agora viver “loucamente”, ativando a business da indústria do entretenimento e potencializar seus motores capitalistas para trabalhar intensamente no aumento dos seus lucros, em detrimento dos pobres mortais que sacrificam aquisição de bens de primeiras necessidades para garantir o acesso a esse meio artístico cultural elitizado.
Percebe-se em tempos atuais uma necessidade desmedida de se estar em locais de diversão. Em meio a contradição das reclamações por dificuldades financeiras os restaurantes e bares encontram-se lotados, mesmo durante a semana e com preços que beiram a insensatez. Então o que está acontecendo? Ouso emitir um juízo de valor e até apontar um possível culpado para esta situação paradoxal: o tédio.
O tédio, como escreveu o filósofo Luiz Felipe Condé: “é uma espécie de poeira que cobre nossos olhos e penetra nossa boca, mas que percebemos apenas quando o pó fica entre nossos dentes. Uma boca cheia de areia, que não se sabe de onde vem e que é invisível”.
O tédio reina absoluto entre nós. Essa inquietação tipicamente contemporânea que leva rios de gente para filas infernais nos fins de semana em busca de lazer e relaxamento, geme em nosso estomago. São infinitos os mecanismos à disposição do tédio. A busca de inovação nos assola, assim como quem sofre de uma sede eterna que tem à sua volta apenas água salgada para beber. Quando pensamos na obsessão pela inovação, percebemos que ultrapassamos a simples escala de uma psicologia subjetiva para adentrarmos numa sociologia objetiva.
A tara pela inovação se inscreve na estrutura material da vida moderna, sem pena e sem solução. Sem remédio. Todos hão de inovar, sob pena de extinção. As famílias, as pessoas, as empresas, os governos, as igrejas, as religiões. A histeria que toma conta das formas inovadas de espiritualidade carrega em si essa face deformada pelo tédio.
Para o filósofo e doutor pela USP, autor da obra, a Era do Niilismo: “a moda talvez seja uma das formas mais recentes desse tédio ancestral. Muita luz, muito barulho, muitos amores, muitas juras de se reinventar, muitos lugares a ir e a não ver em estando lá, muitas compras, muita diversão alucinada, tudo para que o tempo passe sem que passemos por ele. Como não ver que toda essa fúria de conteúdo produzido em toda parte é o tédio que se esconde sob a face de uma falsa inteligência”.
A moda seria uma maldição como uma úlcera que consome o estômago. As modas de comportamento, de alimentação, de emagrecimento, de auto exposição grassa entre nós sem que nenhuma graça seja pressentida a nossa volta. Ano sabático? Uma das últimas modas a jurar que vencerá o tédio. O mundo não está só consumido pelos combustíveis fósseis, mas também pelos nossos desejos. A busca do sucesso talvez seja, entre as modas, a que mais faz vítimas.
E o que fazer diante deste tédio pós-pandemia? Não sei a resposta, e deixo a inquietação para os leitores. Porém, o filósofo dar uma dica ao afirmar que: “um dos modos mais antigos de enfrentamento infeliz desse tédio que nos consome é sua negação por meio da autoafirmação de nossa autossuficiência. O afeto que habita esse processo é o orgulho, grande causador de tantos pecados na tradição cristã. Assim como uma entidade que passa a noite a gritar dentro da escuridão, o delírio da autossuficiência se dissolve na agonia do seu oposto, a insuficiência”.
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