Por Chico Pinto
Estava concentrado em resolver algumas questões de Matemática, elaboradas pelo excelente professor Chico Dantas, cuja nota valeria para melhorar a minha média que não “andava” lá nada boa, naquele 1° ano do primeiro grau, no Estadual da Rua da Areia, em Sousa, quando o inesperado acontece.
Toda minha concentração se dissipa e, acredito, também, a da turma inteira, quando Aldenir Afonso, secretária do colégio, sem sequer pedir licença, invade à sala de aula.
A mim ela se dirige já bastante nervosa com um recado para que eu fosse para casa que o meu pai não estava bem de saúde.
Desesperado e já chorando copiosamente sigo em direção ao portão de saída da escola, quando Joaquim Oliveira, na época, vice-diretor, me oferece uma carona, também demonstrando certa intranquilidade e pedindo para que tivesse calma.
Entro na camionete do professor e sigo em direção ao Bairro do Estreito, onde morávamos, bem na beira do riacho, tendo como vizinhos seu Manuel Mariz, pai do meu amigo João Marcelino e, em frente, Seu Jorge Wanderley, fabricante de colchão.
Não preciso acrescentar que, a esta altura dos acontecimentos, e em solidariedade ao seu aluno, o professor Chico Dantas cancelou a prova marcando outra data para o teste, causando tristeza naqueles que sabiam da matéria e alegria daqueles alunos “meia boca” como eu.
Após esta decisão, além dos colegas de turma, boa parte do alunado aproveitaram do ocorrido para usufruir da folga do restante da tarde. Aquela inesperada notícia provocou uma verdadeira balbúrdia tanto na parte interna como externa do velho Estadual, numa verdadeira comoção, pois, era dado como certo, que o velho Cabo Duca havia morrido.
Chegando, juntamente com Joaquim, e alguns colegas que pegaram carona na caçamba do veículo, por pura curiosidade, notamos uma normalidade estranha nas imediações da nossa casa, algo que nos causou, de imediato, uma verdadeira surpresa.
Não havia sequer uma pessoa na calçada e, boa parte dos meninos desocupados da rua aproveitava da cheia do Riacho do Estreito, pois era época de invernada, para mergulhar nas águas lamacentas do canal que já transbordavam por cima do pontilhão.
Como a camionete não tinha acesso até à frente da casa, por conta das crateras que se formavam naquele período, sigo apressadamente em direção ao portão e, para minha alegria, me deparo com dona Naninha, minha mãe, na máquina de costurar terminando um vestido encomendado por uma das suas freguesas.
Minha mãe ajudava nas despesas da casa através da sua velha Singer adquirida, em suaves prestações, nas Casas Pernambucanas.
Ao me ver àquela hora em casa e perguntando por papai – era assim que tratávamos o velho Duca, ela fica de pé já demonstrando certa contrariedade.
E tasca na minha direção a sua curiosidade:
– Houve alguma coisa com o seu pai? Pergunta! E fica mais ainda contrariada, quando o professor Joaquim também entra no nosso terraço.
Daí ela “dispara” no choro, mas, casualmente, e por pura sorte, ao olhar pela janela lateral, cuja direção dava para o prédio onde funcionava, à época, o antigo Samdu em Sousa, avista o cabo Duca, que acabara de descer do ônibus da Viação Andorinha, vindo da cidade de Cajazeiras, para onde tinha ido pela manhã resolver algumas pendências e visitar o cunhado Ivo Cavalcanti.
Em vez da tristeza fomos tomados de uma súbita felicidade e de muito contentamento.
Ao chegar em casa e após cumprimentar o diretor, Duca já olha pra mim, na certeza de que eu havia feito mais uma das minhas peraltices no colégio e, o diretor estava ali, para comunicar o ocorrido e desta vez, só poderia ser algo bastante grave. No mínimo, uma expulsão ou algo parecido, devido a minha “boa” fama de aluno “exemplar”.
Joaquim, que era dono de uma presença de espírito fantástica e de um cáustico e satírico humor, tomou da palavra e avisou com um sorriso sarcástico que, desta vez, eu era quem tinha sido vítima. Vítima de um bem elaborado trote telefônico, que passaram para a diretoria do colégio com a triste notícia.
Pense num trote intelectualizado!..
Duca na condição de um velho policial, pediu a dona Naninha que providenciasse um cafezinho para o ilustre visitante de preferência acompanhado de “bolo de caco”, uma das suas especialidades.
Enquanto isso, olhou para Joaquim e sentenciou:
“Professor, quanto você aposta que esse telefonema foi algo combinado e partiu da parte dos seus amiguinhos de molecagem?”
Joaquim interveio e saiu na minha defesa com um argumento categórico, dizendo que “eu me encontrava em sala de aula fazendo uma prova de matemática, pois tinha que tirar uma nota boa, para que não enfrentasse uma provável segunda época”.
Veja bem!
Duca atirou onde viu e acertou onde não viu.
Realmente, depois foi descoberto que o tal telefonema, obviamente sem o meu prévio conhecimento, tinha como autor Manoel Celestino de Paula, o Nêgo Boneca e, como testemunhas e incentivadores, Tontonho de Vinícius, Nêna Corujão, Neném de Lígia e Chico Camarão, feito diretamente da Sacristia da Matriz de Nossa Senhora dos Remédios, com a aquiescência do sacristão da paróquia Alírio Viana, filho de Seo Adgesum.
O quinteto estava me aguardando já que tínhamos combinado em iniciar, naquela tarde, o nosso “expediente” no Bar de Zé Mendes.
Como eu estava demorando por conta da prova e não podia “gazetear” a aula, eles simplesmente tiveram a ideia em dar feriado naquela sexta-feira, não somente a mim, mas a todo o turno da tarde do Estadual.
Diante da tresloucada “sacanagem” fiquei na obrigação de dar o “troco”, e reconheço que o formato escolhido foi bastante perverso.
Botei pra frente os meus instintos secretos e, maliciosamente, sem considerar sequer as nossas fraternas amizades, segui com o plano e o primeiro a cair na armadilha foi Tontonho, ou melhor, sua mãe e irmãs.
Como eu trabalhava no Centro Telefônico Municipal ficou bastante fácil. Estava de plantão.
Quando os ponteiros do relógio da Matriz de N.S dos Remédios se cruzaram à meia noite, do meu plantão liguei para a residência de Seo Meirinha, na Rua Estreita, bem em frente da casa da minha vítima, e pedi pra comunicar, com urgência, à dona Joanita, mãe do autor intelectual do trote endereçado ao colégio, que ele havia sido vítima de uma facada no Bar de Zé Mendes e, se ela quisesse vê-lo vivo, que se apressasse o mais rápido possível.
Num intervalo de menos de dez minutos só ouvi o chororô na calçada do Mercado Público, tanto de dona Joanita, como também das duas irmãs, Carol e Gracinha que, só de camisolas de dormir, e aos gritos, seguiam em direção da nossa “Academia Alcoólica”, o famoso Bar de Zé Mendes, local de encontros etílicos da “Turma do Corujão”, encontrando Tontonho ao lado de Braz Sibito e Nequinho, cantarolando Boêmia de Nelson Gonçalves.
Após essa maluquice tive que ficar uma semana às escondidas com medo da língua afiada e desaforada de dona Joanita, que me proibiu, de início, de frequentar a sua casa por bastante tempo.
Aos poucos fui voltando a conquistá-la sempre levando uma carteira de Continental, o cigarro da sua preferência. Daí pra frente já estava na cozinha para degustar do melhor cafezinho da Rua Estreita.
Com o Nêgo Boneca a maldade foi bem parecida. Quase da mesma forma.
Num domingo bastante movimentado na Sorveteira Flor de Lis, como também, em frente ao Cine Moderno, com o “passeio” na moçada na Praça do Bom Jesus, bastante efervescente, eu na companhia de Nena Corujão, desta feita meu aliado, combinamos em espalhar o boato de que o Negão Boneca havia morrido afogado, após bater com a cabeça numa pedra, ao dar um “freixeiro” nas águas da Barragem de Seo Eládio, local sempre escolhido para o pirão de peixe, preparado sempre aos domingos e feriados por Tico do velho Sibito.
Vale ressaltar que a “correria” em direção à moradia de seo Pedro Celeste, pai da nossa vítima, se tornou bem maior do que a multidão que, geralmente, se fazia presente nas passeatas da campanha de Zú Silva, o candidato da “Base da Chinela”, a prefeito de Sousa.
Passado o período de vingança, esquecemos de tudo e continuamos com a nossa fraternal amizade até o dia em que Deus, com exceção de Tontonho, levou os demais, inclusive Alírio, para a morada eterna.
Só acrescento, nesses finalmentes, que a saudade dos meus amigos de juventude nunca irá adormecer dentro do meu peito.
Ela permanecerá imorredoura. Continuará latente e ativa para sempre.
* Dos seis citados, inclusive o Sacristão e amigo Alírio, só nos resta a companhia, mesma à distância, do amigão Tontonho, há tempos morando nas Minas Gerais. Os demais já partiram em busca do retiro eterno.
1 Comentário
Só li até a metade, longo demais o texto.
Muita conversa fiada pra encher linguiça…