RAMALHO LEITE
Cheguei à Assembleia Legislativa da Paraíba pelos idos de 1962. Nomeado Redator de Debates, ouvi-los era para mim, a maior diversão. E ouvir José Cavalcanti, em acalorados discursos ou em partes fulminantes que tiravam o orador do ritmo, uma alegria para os meus ouvidos de brejeiro, ávido por conhecer os problemas sertanejos trazidos à tribuna pelos seus representantes. Seu Zé, como se popularizou, filho de Né Bala, era severo na crítica mas educado na abordagem. A Bala do nome que herdara do pai e do avô não causava ferimento grave. Usava uma fina ironia para conter o adversário e sempre tinha uma história para contar e desanuviar, com humor, as acirradas discussões políticas em um plenário ilustrado com nomes dos mais respeitáveis. Naquele tempo, deputado era respeitado.
Eleito pela legenda da gloriosa União Democrática Nacional (UDN) o deputado Cavalcanti tinha os olhos voltados para Patos, onde tentaria, por mais de uma vez, ser eleito o prefeito da Morada do Sol. Eleito prefeito em 1963, seu Zé despediu-se da Assembleia e passou a dedicar-se, inteiramente, à gestão municipal. Tentou voltar à Casa de Epitácio Pessoa, teve mais votos que outros eleitos, mas foi traído pelo coeficiente eleitoral. É sobre a trajetória política e administrativa desse bravo sertanejo que Marconi Gomes Vieira se debruça para premiar os paraibanos com mais uma obra de pesquisa, honrando o batismo que lhe dei de Pesquisador Sertanejo.
Marconi Vieira é natural de Carrapateira, cidade que já imortalizou com sua pena, ao escrever a história e perpetuar os personagens que lhe deram origem. Ele mesmo, descendente do principal fundador da localidade que Pedro Gondim, sancionando projeto do deputado José Cavalcanti, transformaria em município. Marconi é um matador de traças e, costuma aspirar poeira e ácaros para descobrir nos escaninhos da história, os fios da memória dos que, antes dele, caminharam pelas mesmas estradas, viveram nas mesmas casas e deixaram nas nuvens, o barulho das suas vidas. Fez assim penetrando nas entranhas de São José de Piranhas, sua Paróquia e até na memoria do Jatobá Clube. Investiu na vida pública de José Lacerda Neto, até hoje, um recordista de mandatos e, agora, nos brinda com a paisagem sertaneja por onde mourejou a vida inteira, Zé Cavalcanti, o matuto que virou intelectual e ajudou a promover o desenvolvimento de Patos.
Marconi, além de bacharel em direito, especializou-se em História Econômica e Social do Nordeste Contemporâneo, depois de licenciado em História. Tem, portanto, alicerce suficiente para produzir um volumoso roteiro da vida e obra de José Cavalcanti, politico nascido em São José de Piranhas, mas que “veio abrir os olhos em Patos” para usar o seu linguajar imortalizado em inúmeros livretos que distribuía com os amigos. Municipalista, não só Carrapateira foi cidade graças a um projeto de sua autoria. Tal qual um José Bonifácio tupiniquim, foi o Patriarca da Independência de Serra Grande, Salgadinho, Santa Terezinha, Passagem e Cacimba da Areia.
Da safra dos livros de bolso que publicou, Seu Zé nos brindou com Potocas, Piadas e Pilherias, Casca e Nó, Sem Peia e Sem Cabresto, Bicho do Cão, Gaveta de Sapateiro, Bisaco de Cego, Quengada de Matuto, Papo Furado, Espalha Brasas, Caga Fogo, Rabo Cheio, Pais Tolos Filhos Sabidos, As fofocas de Seu Zé , 350 Lorotas Politicas, A Politica e Os Políticos e tantos outros que o levaram a ocupar uma cadeira na Academia Paraibana de Letras que contempla, não somente as letras, mas a ciência e as artes.
Ao tomar posse na Academia Paraibana de Letras, o poeta e folclorista José Cavalcanti destacou que se criou “ao Deus dará”, usando uma expressão corriqueira do matuto e, por essa razão, pediu desculpas à Casa: “quem assim nasceu e se criou- ao Deus dará, não tem estilo nem para comer, quanto mais para falar e escrever”. Saudado pelo professor Afonso Pereira que, em tempos idos, fora também deputado estadual, seu Zé procurou demonstrar aos acadêmicos “uma ligeira amostra do que é a linguagem simples, natural e legitima do povo, à guisa de uma didática própria colhida na sua fonte mais pura”.
Ao dar as boas vindas ao novo Acadêmico, o professor e imortal Afonso Pereira, definiu a linguagem simples a que aludiu o empossando: “ Não esconde as palavras para o encontro do ritmo. Não procura a quantidade natural das sílabas, nem a quantidade delas para forjar a palavra, que lhe é nativa como a natureza. Nele, o estilo não é o homem. São os fatos. As verdades tecendo estórias. Não as estórias compondo as verdades. Nele, o tempo não existe. O homem é que existe”.
Ao enveredar pelos caminhos de José Cavalcanti, O Homem, o Politico, o Escritor, Marconi Vieira desnuda fatos e passagens de sua vida, desde a convivência com o Monsenhor Vieira no Colégio Diocesano, onde foi aluno e professor, até a transformação dessa escola em equipamento estadual, obra do politico que se tornara com o incentivo do padre e a recomendação do chefe politico local – o deputado, ministro e governador Ernany Satyro.
O trabalho de Marconi Vieira é completo e merece ser lido. Representa uma importante parcela da historia de Patos de Major Miguel. O historiador de tantas obras tem lugar assegurado, em futuro próximo, em uma cadeira no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. Desde que não seja na minha.
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