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Os avarentos

3 de março de 2019

 
 
Tio Severino Cazuzão era tão avarento que meu pai costumava dizer que ele era mais amarrado do que orelha de freira, isso no tempo em que as freiras se vestiam da cabeça aos pés com aqueles mantos vistosos, onde somente ficavam à mostra as mãos e as maçãs do rosto.

Me lembro dele, sentado à mesa da minha casa, já setentão, comendo um pão francês com café preto, porém com um detalhe: guardava o pão no bolso e puxava pedaço por pedaço, arrancando pela orelha, somente para que nós, os meninos, não pedíssemos mesmo que fosse um tico de miolo.

Mas era simpático, o tio Severino, como são simpáticos todos os avarentos que conheci. O cabra economiza além da conta e deixa o economizado para a viúva gastar com o chamado “urso”, aquele que chegou depois, sem eira nem beira, porém com disposição para fazer uma viúva carente sorrir. E tal sorriso vale qualquer gastança.

Há, contudo, quem não morra. Envelheça junto com a cara metade, como aconteceu com Zé Joivino e Chica Beiçuda. Os dois moravam na zona rural de Manaíra, comiam porcaria juntos, somente para não terem que se desfazer das notas de contos que Zé guardava debaixo da cama. O cardápio era angu de manhã, angu de tarde e angu de noite.

Foi numa noite de muito angu que dois rapazes, perdidos no mato, apareceram por lá pedindo arrancho. Estavam mortos de fome, mas Joivino, miserável, concordou que dormissem no alpendre, porém avisou que não havia comida alguma. Havia. E muita. Uma panela de angu cozinhada por Chica e não comida nem a metade, que estava guardada para o café do casal.

Lá pela meia noite, um dos rapazes resolveu dar uma busca na cozinha para ver se encontrava alguma comida. As tripas roncavam e não podiam esperar. Alcançou a panela de angu, meteu as duas mãos lá dentro e as trouxe cheia do produto. Comeu uma parte, voltou a enche-las para levar ao irmão que o esperava lá no alpendre. Só que, na volta se enganou de local e entrou no quarto de Zé Joivino, que dormia ao lado de Chica.O rapaz encostou a mão na bunda de Zé, pensando que era a cara do irmão e o mandou comer. Só que a cara era a bunda de Zé e Zé, fazendo digestão àquela altura, soltava bufas sopradas e azedas, que o rapaz interpretava como se fosse a boca do irmão soprando.

-Não precisa soprar não, que ta fria -, disse ele, recebendo de volta outro assopro. Impaciente, meteu o angu no que ele pensava ser a cara do irmão e somente depois disso é que descobriu o engano. Voltou correndo para o alpendre, chamou o outro e dali se mandaram, com escuro e tudo.

Dia seguinte, ao acordar, Zé passou a mão na bunda e alarmou:

-Chica, minha filha, o angu me ofendeu. Amanheci todo cagado!

**

Seu Diolindo Mandaú, bodegueiro fanfarrão, falava alto como se estivesse em permanente discurso, porém o que exagerava em tom de voz, economizava quando o assunto era gastar.

Até mesmo quando trocou tiros com Seu Duquinha, em defesa do sobrinho Zé de Rosa, não perdeu a mania de economizar. Cessado o tiroteio, saiu catando as cascas das balas para mandar encher de novo.

Tinha um caroço no meio da venta, que o deixava feioso. Pois em vez de se valer do bisturi de Doutor Severiano para arrancar o bicho, preferiu a receita dada por Zezito Pustema, queimando-o com um tição. Perdeu o caroço e ganhou uma ferida que o acompanhou pelo resto da vida.

Mas quando se fala em sujeito que tenha pena de gastar dinheiro, não se deve esquecer o finado deputado Chico Pereira.

Certo dia, foi procurado na Assembléia Legislativa da Paraíba por um conterrâneo de Pombal, que lhe pediu uma ajuda:

-Seu Chico, me arranje cinco cruzeiros para eu comprar a passagem de volta.

-Aaaaaaaaaaaaaaannnnnnnnnhhhh? – Fez Seu Chico, colocando a mão em concha, como se estivesse mouco.

O rapaz repetiu, só que dobrando:

-Me arranje dez cruzeiros!

-Ôxente , e nestante num era cinco?!

Noutra ocasião, um rapaz também de Pombal foi lhe pedir dinheiro para enterrar a mãe que havia morrido num dos hospitais de João Pessoa.

-Meu filho, me procure no fim do mês que é quando sai pagamento -, sugeriu Seu Chico.

O rapaz ponderou:

-Será que o senhor tem pelo menos o dinheiro para comprar um pacote de sal?

-Pra que? -, perguntou o deputado. E o rapaz:

-Pra eu salgar a velha e ver se ela não apodrece até lá.

**

Meu parente Zé Samuel ganhava de todos esses já falados.

A mulher dele teve um infarto fulminante. Só que, como o caso se deu à meia-noite, Zé  decidiu que só chamaria o táxi depois das oito da manhã, para evitar pagar bandeira 2.

Quando chamou o táxi, no entanto, constatou que a velha  estava morta, durinha, durinha.

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4 Comentários

  • Reply DIONÍSIO 3 de março de 2019 at 23:31

    Basto, eu vou dizer aqui uma coisa: a pessoa que come somente angú não pára de peidar um só momento. Pense num peido fedorento. Se não tiver cuidado e não controlar o peido, pode até cagar na calça. Eu me lembro de uma época na Casa do Estudante, na Rua da Areia que faltou verba para comprar mantimentos e a gente só comia cuscuz ou angú. De noite só se ouvia a peidaria no meio do mundo e gente correndo para o banheiro todo cagado.
    Ave Maria, eu mesmo tanto peidava quanto cagava mole.

  • Reply NEVINHA 4 de março de 2019 at 07:46

    Eita Dionísio velho de guerra, por onde tu andas “Baixinho do Piancó” ? Depois da Casa do Estudante, foste morar na Casa do Estudante Universitário lá na Rua das Trincheiras porque eras estudante de Direito, da turma do inquieto Castor, já falecido. A partir dali já não peidavas e nem cagavas mole porque te alimentavas no Restaurante Universitário do Cassino da Lagoa. Tempos sofridos, mais vitoriosos. Dá notícias. Por onde andas e o que fazes ? Assina tua colega de turma NEVINHA.

  • Reply ZÉ LUIZ 4 de março de 2019 at 23:36

    Tião, angú produz muitos gases no intestino delgado de que se serve desse produto derivado do milho. Quem come angú, com certeza PEIDA muito. Você mesmo juntamente com seus irmãos e irmãs quando crianças e até mesmo na juventude quando moravam em Princesa, na velha rua empenada do Canção, quando comiam angú, peidavam muito. Era uma verdadeira orquestra desafinada de PEIDOS que a gente ouvia lá de casa. Morávamos quase em frente a casinha de vocês. Vocês comiam angú com ovos. Misericórdia !!!!

    • Reply Sebastião 5 de março de 2019 at 04:54

      Verdade. Também comíamos com leite de gado e tripa. E os peidos realmente eram sonoros.

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