Ramalho Leite
Acostumei-me a ouvir as histórias contadas por Aluízio Nicácio nos papos regados a um bom vinho que Alirio Trindade servia com prazer. É um bananeirado pioneiro. Sua segunda residência ficava na rua Santo Antônio, pertinho da igreja e ele foi dos primeiros a acreditar no descobrimento de Bananeiras como destino turístico. Sua casa costumava se encher de amigos antes que surgissem os leitos dos vários hotéis que hoje acolhem os visitantes. Sempre que ouvia suas histórias eu incentivava: “Bota isso no papel. Faz um livro! ” Ele resolveu fazer o livro e, como castigo, pediu-me para mandar um texto que servisse de prefácio. Mas que castigo delicioso. Li suas histórias de supetão e me diverti muito. E o título, “O Pescador de Histórias”, me deu uma inveja danada. Pescador tem fama de contador de lorotas e, de aumentar, não somente o tamanho do peixe, mas sobretudo, os acontecidos da pescaria. “Conversa de pescador” sempre foi sinônimo de mentira das grandes. O anzol de Aluízio, porém, é verdadeiro e foi colocado no rio caudaloso da vida. No seu percurso, pescou muita gente boa. Gente do seu convívio de muitos anos nas agências do Banco do Brasil. Outros que caíram na sua rede, vieram do cenário artístico do nosso Estado, onde deixaram muitas passagens para serem contadas. Algumas foram fisgadas, também, pelo anzol magico deste “Pescador de Histórias”.
Nas suas andanças pela nossa província, seus bares e outros recantos noturnos, o pescador arpeou Cobrinha, garçom que ganhou fama, menos pelo tratamento cortes com seus fregueses e, mais pelas tiradas de humor com que regava a mesa a seu serviço. Não raro, quando o prato pedido não estava no cardápio, oferecia o invariável “franco bem passado”: “vou trazer um coleguinha pra vocês.”… O autor era irmão do radialista Jacy Cavalcanti e através dele conviveu com as maiores figuras do rádio paraibano, à época da única emissora existente, a PRI-4, Radio Tabajara da Paraíba, que falava para o mundo, mesmo sem alcançar além da Ponte Sanhauá. Seu eficiente molinete puxou do fundo da memória o Sandoval Cajú, que terminou prefeito de Maceió, Paschoal Carrilho, Gilberto Patrício, Polari Filho e o compositor Zé Pequeno, além de outros que invadiam a noite quando se encerrava o expediente radiofônico.
Sem dúvida que a Paraíba conhece a tirada do locutor Sandoval Caju quando foi empurrado pela multidão e caiu na tumba onde iriam sepultar Napoleão Lureano. Mas a maneira de contar de Aluízio dá ineditismo à narrativa. A vida de Paschoal Carrilho se confunde com o rádio de sua época. Trouxe grandes nomes da música para o auditório da Tabajara, a exemplo de Bienvenido Granda e Ângela Maria. Jackson do Pandeiro e Severino Araújo começaram naquele palco e ganharam fama nacional. Outros nomes que cuspiram nos microfones da PRI-4 mas foram poupados pelo folclore, são resgatados nessa pescaria da memória, a exemplo de Humberto Lucena, Fernando Milanez, Linduarte Noronha e Juarez da Gama Batista que ali iniciaram sua vida pública e tornaram seus nomes conhecidos, alicerçando-se para voos mais altos.
Quem passou a vida como bancário, teria que ter um assalto para contar. Aluizio tem. Conta também passagens de romance e de assédio, casamentos quase desfeitos e namoros frustrados. Me encantei com a loura que bailava sozinha no salão de festa para agradar ao seu gerente e constranger a esposa do chefe. Rodopiou até mostrar o que a saia escondia: não era loura, constatou o gerente diante da esposa apoplética.
Três pequenos contos encerram a coleção de causos narrados pelo pescador de histórias. São cenários mais que humanos e refletem a experiência de quem tornou-se um observador da paisagem ao seu redor e do comportamento dos personagens que a povoam. Aluizio com suas aventuras de pescador, mesmo incursionando pelo Pantanal Mato-grossense, pescou mais gente do que peixe.
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