Por Flávio Lúcio
Virou regra no judiciário brasileiro descumprir não só decisões da Suprema Corte, mas também a Constituição.
Ontem, essa prática se repetiu aqui na Paraíba depois que o Ministério Público da Paraíba pediu a prisão da deputada estadual Estela Bezerra e o desembargador Ricardo Vital autorizou.
Tenho certeza de que o desembargador não desconhece a Constituição do país, nem a Constituição da Paraíba, muito menos as decisões tomadas nos últimos dez anos a respeito das condições legais para que deputados estaduais sejam presos. Mas, em todo caso, vou ousar aqui oferecer meus préstimos de leigo.
Ao tratar das Assembleias Legislativas, o § 1º do Art. 27 da Constituição Federal diz que “Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-sê-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.”
E o que diz a Constituição sobre inviolabilidade e imunidade dos mandatos de deputados?
No § 2º do Art. 53 da Constituição Federal está registrado: “Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”.
Ou seja, não parece haver dúvida sobre o que diz a Carta Magna do país, mesmo com a ilimitada capacidade de muitos juízes, hoje, de “interpretarem” a lei, como veremos um pouco mais à frente.
E caso a Constituição Federal fosse omissa sobre a questão, o que não é caso, a Constituição da Paraíba é cristalina ao reafirmar os termos e valores inscritos no plano nacional.
Segundo o disposto no § 1º do Art. 55 da nossa Constituição estadual, “os Deputados Estaduais, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Tribunal de Justiça”.
O § 2º do mesmo artigo diz textualmente que “Desde a expedição do diploma, os membros da Assembleia Legislativa não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.”
Não margem para interpretações, não é mesmo? Se você pensa assim é porque não conhece alguns dos nossos juízes.
Isso acontece por dois motivos: o primeiro, pela constate e permanente campanha de desmoralização dos parlamentos, que abre espaço para que outras instâncias ocupem atribuições que pertencem exclusivamente ao poder legislativo; segundo, o apoio nada desinteressado da mídia corporativa e seus satélites. Na Paraíba, temos deputados estaduais acovardados, incapazes de resistir à invasão de suas atribuições e dos seus próprios direitos.
Em razão disso, muitos procuradores do Ministério Público e juízes resolveram que não se sentem mais obrigados a respeitar o que diz a lei e cada um resolveu ter sua própria Constituição. Isso sem precisar de um voto sequer. Como provavelmente se acham a elite da elite, eles criam suas próprias leis − nos últimos anos, o STF virou um Congresso à parte, assumindo abertamente funções que eram do Congresso, como, por exemplo, regulamentar a Constituição.
Em meio a essa bagunça institucional que virou o país, estabeleceram-se as bases para a ditadura perfeita, a ditadura do sistema judiciário, cuja legitimidade passa longe do poder popular por ser autoatribuída.
No caso em tela, há pelo menos 10 anos, o Supremo se vê diante de juízes, alguns de primeira instância, que resolvem agir por conta própria e à revelia da lei.
Deputados estaduais só podem ser preso em flagrante
Num caso de 2009 julgado por Celso de Melo em que juízes de primeira instância resolveram determinar a prisão de um deputado estadual, o então presidente da Corte, Gilmar Mendes, deferiu liminar para a imediata soltura do parlamentar de Alagoas.
A razão: a clara incompetência dos juízes para processar e julgar deputados estaduais. Mesmo assim, esse juízes, segundo Celso de Melo, simplesmente “resolveram ignorar a decisão do senhor Ministro Presidente” e “decretaram sua custódia cautelar na data de hoje a despeito da ilustre decisão já ser do conhecimento deles.”
Vale a pena reproduzirmos trechos citados da decisão de Gilmar Mendes por Celso de Melo pela semelhança que guarda com a prisão ilegal da deputada Estela Bezerra:
“Em princípio, não se justificaria a competência dos ‘Juízes de Direito Integrantes da 17ª Vara Criminal da Capital’ de Alagoas para o decreto de prisão temporária de Deputado Estadual, tendo em vista o disposto no § 4º do art. 74 da Constituição daquele Estado, que assim dispõe:
Art. 74. (…). § 4º. Os Deputados Estaduais serão submetidos a julgamento perante o Tribunal de Justiça. O dispositivo transcrito guarda total simetria com a Constituição Federal, que, em seu art. 53, § 1º, estabelece: Art. 53. (…). § 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.
Em sua apreciação do caso, além de mostrar preocupação com o fato de juízes de instâncias inferiores não respeitarem decisão da Suprema Corte, Celso de Melo chama a atenção para as “prerrogativas constitucionais” que foram “expressamente atribuídas” pela Constituição Federal e que garantem a “imunidade parlamentar”, o que assegura que os deputados estaduais “só podem ser presos, se e quando em situação de flagrância por crime inafiançável, vedada, em conseqüência, contra eles, a efetivação de prisão temporária, de prisão preventiva ou de qualquer outra modalidade de prisão cautelar.”
Mesmo assim, juízes continuaram determinando prisões de deputados estaduais, como foi recorrente no Rio de Janeiro, num claro desrespeito à Suprema Corte e à Constituição.
Tanto que em dezembro de 2017 a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) entrou com uma ação no STF para revogar – vejam o absurdo! – dispositivos das constituições estaduais que asseguram a deputados estaduais as mesmas imunidades dos parlamentares federais.
O julgamento foi concluído mais de dois anos depois. Em 8 de maio de 2019, por 6 votos a 5 − vejam que por pouco o STF não mudou a Constituição – o Supremo “decidiu” proibir a prisão de deputados estaduais, com exceção de flagrantes de crimes inafiançáveis (homicídio, estupro, tortura, terrorismo e racismo).
Mesmo assim, a deputada estadual Estela Bezerra foi presa ontem sem autorização da Assembleia Legislativa da Paraíba.
Aliás, não foi só isso. Não bastasse o atentado contra as prerrogativas do poder, a Assembleia foi desmoralizada ao não ser sequer comunicada da prisão de um de seus membros para que, em plenário, os deputados autorizassem ou não a prisão, como diz a lei.
E quando finalmente a Assembleia foi comunicada, depois de esperar quase o dia inteiro para decidir a respeito de um fato público e ilegal, o poder legislativo foi novamente humilhado quando, mesmo tendo decidido pela soltura da parlamentar, teve de vê-la submetida a uma audiência de custódia como preso comum e tendo a deputado passado a noite inteira na cadeia.
Aliás, após mais de 12 horas depois da decisão da Assembleia, Estela Bezerra continuava presa.
O que aconteceria a um presidente da República, governador, prefeito ou a qualquer parlamentar nas diversas esferas que descumpra a Constituição ou as leis do país, ou qualquer decisão do Supremo? O que aconteceria a um cidadão comum?
A sabedoria popular teria uma resposta implacável: triste de um poder que nada pode!…
5 Comentários
O desembargador não desrespeitou o STF muito menos a carta Magna. Quem desrespeitou a Constituição foi quem roubou o dinheiro da saúde e da educação. Estes sim desrespeitaram a todos.
Pelo andar da carruagem não demora muito até Adriano Galdino se tornar governador, isso se ele não aparecer nas próximas fases dessa investigação. Afinal as investigações abrangem as eleições as eleições de 2018. Quanto tempo demora até um grupo de deputados espertinhos tomarem o mandato de João? E quem seria eleito direta ou mesmo indiretamente (a depender do tempo ocorrido)? Posso estar falando bobagem mas, não custa levantar a questão.Num momento como este ninguém pode se dar ao luxo de toar escolhas equivocadas.
Parabens, Flavio Lucio, sempre com um jornalismo de conteudo, faço minha suas palavras grande Jornalista
Só queria saber se o judiciário brasileiro vai continuar assim: praticando o que lhe conserne em direito e o que não lhe conserne? Até quando vão permanecerem acima de tudo e de todos,…passando por cima da constituição e fazendo as suas próprias leis e ainda atingindo apenas os alvos desejados por eles? Esse classe diferente do resultante dos brasileiros acho que o país e suas regras deixaram eles de fora e os mesmo podem fazerem o que bem entendem,…inclusive passando por cima daquilo que eles era os primeiros a dá-se- a o respeito..
O Supremo é o primeiro a rasgar a CF!