opinião

Podres delícias

16 de outubro de 2022

Marcos Pires

    O primeiro sorvete que eu provei na vida foi na barraca de Seu Aníbal, no Miramar. Era um quadradinho equilibrado num desses palitos de dentes. Feito numa caçamba de gelo metálica, daquelas que tinham uma espécie de maçaneta no meio, o sabor era sempre maracujá, e não estranhamente tinha o mesmo gosto do refresco de maracujá que Seu Aníbal vendia no balcão. Muitos anos depois entendi aquele fenômeno. Mesmo sem instrução, o comerciante havia intuído a lei de Lavoisier, onde nada se perde e tudo se transforma. O que não vendia como refresco ele congelava e comerciava como sorvete.

    Tempos depois os carrinhos de madeira levando sorvetes começaram a circular pelas praias e só ofertavam dois sabores; coco e morango. O coco estava bem ali, pendurado nos coqueiros, mas o morango…, onde diacho achavam morango na Paraíba dos anos 60? Menos importava, o bom era aquele vermelhão que ficava por varias horas em nossas bocas. Posteriormente apareceram umas maquinas italianas que faziam descer dos depósitos até o casquinho um enrolado de chocolate. Me perdoem, mas aquilo saindo espremido lembrava o numero 2. E enfim igualamo-nos aos sorvetes do cinema. Com a Sorvelanche tivemos acesso aos sundaes e bananas splits. Só muito depois Seu Tropical evoluiu do seu carrinho que fazia ponto em frente ao colégio Pio X e abriu sua sorveteria, onde servia sorvetes de amendoim, castanha e tangerina, o mais gostoso.

    Outra lembrança que ainda busco é a memória dos jantares na casa de Tia Joca, em Jaguaribe. Invariavelmente era kitut acebolado. Uma vez por mês como uma fatia, sem ligar para a enorme azia que logo em seguida me ataca.

    Mais uma lembrança; o algodão doce, que chamávamos algodão japonês. Nunca soube porque; sequer moravam japoneses aqui naquela época. Sempre um velhinho empurrando um carrinho de madeira que tinha uma tampa e, quando levantada, revelava uma espécie de fogareiro redondo no centro de uma bacia, no qual ele acendia uma chama azulada e depositava uma colher de açúcar. Depois fazia girar uma manivela e a mais bela mágica acontecia; fios e fios de uma doce cabeleira branca começavam a se formar e em breve estávamos comendo aquela delicia que segurávamos em pequenos pedaços de papel madeira. Lembro que a primeira máquina elétrica de algodão japonês foi trazida por meus pais para funcionar na loja deles e logo que soubemos de sua chegada eu e meus irmão tanto enchemos o saco que nos levaram à noite, com um quilo de açúcar, para testar a máquina. No dia seguinte não fomos à escola por conta das seguidas idas ao banheiro.

    Hoje em dia penso que se naquele tempo existisse o controle da saúde pública não teríamos sido tão felizes.

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