Sem categoria

Por que o Nordeste rejeita Bolsonaro?

24 de maio de 2019

*Ricardo Coutinho*

O anúncio da primeira viagem do presidente Jair Bolsonaro ao Nordeste, nesta sexta-feira, provocou uma campanha de internautas da região contrários à visita. O hashtag #Nordeste Cancela Bolsonaro viralizou rapidamente nas redes sociais. Não sem motivo; o Nordeste foi a única região do país onde Bolsonaro perdeu as eleições: ele conquistou apenas 30,3% dos votos, contra 69,7% dados ao candidato Fernando Haddad (PT).

Muitos poderiam interpretar essa rejeição à visita presidencial como uma atitude antidemocrática; afinal, Bolsonaro chegou ao Planalto de maneira legítima, referendado pela maioria da população em um pleito cuja lisura não foi contestada, embora a campanha tenha sido manchada por ações antidemocráticas como a disseminação de fakenews pelos bolsonaristas.

Só que a democracia não é apenas o consenso da maioria; ela implica também o direito da minoria de se opor, dentro dos limites da lei, ao projeto vitorioso nas urnas. Num Estado Democrático de Direito, a minoria deve ter a liberdade de se expressar para tentar convencer o eleitorado de seu programa, possibilitando, assim, a alternância de poder.

Mas por que a ‘hostilidade’ dos nordestinos a Bolsonaro? Porque já é evidente que as medidas que seu governo vem adotando representarão um retrocesso nas conquistas recentes da região.

Nas últimas décadas, o Nordeste – antes esquecido por sucessivos governos – experimentou um processo de desenvolvimento econômico com inclusão social. Em 2002, mais de 21,4 milhões de nordestinos viviam em situação de pobreza; em 2012, esse número caiu para 9,6 milhões, segundo o IBGE.

As ações federais na região geraram trabalho: no mesmo período, o número de empregos formais dos nordestinos cresceu de cinco milhões para quase nove milhões. E entre 2001 e 2012 o nordestino teve o maior ganho de renda de todas as regiões do país, fazendo com que a participação do Nordeste na base da pirâmide social caísse de 66% para 45%.

Na verdade, não é apropriado falar em “hostilidade” do Nordeste a Bolsonaro. Ao contrário, foi o presidente quem sempre afrontou os nordestinos. Ainda como candidato, ele cansou de repetir clichês preconceituosos contra os habitantes da região.

Dias depois de ter tomado posse, Bolsonaro declarou que esperava que os governadores do Nordeste não viessem lhe pedir ajuda: “Para estes aí, o presidente deles está em Curitiba”, disse, em referência ao ex-presidente Lula.

O povo brasileiro que nasceu no Nordeste não aceita quando um ministro, tendo a chancela do próprio Bolsonaro, abre a boca para dizer a bobagem de que no Nordeste não devia haver cursos de filosofia e sociologia.

O povo brasileiro no Nordeste reage a um presidente que entra no sexto mês de governo e não tem um investimento sequer para uma região historicamente discriminada, mas que tem um potencial extraordinário em varias áreas, entre as quais, geração de energia limpa e turismo, e que deu um grande salto na qualidade de seus sistemas de governança.

E essa posição que se expressou nas eleições de uma forma uniforme não pode ser vista como uma postura coletiva advinda da “dependência do povo a programas assistenciais”. Santa ignorância! Se isso fosse verdade, essa população seria a mais vulnerável ao discurso e conteúdo simplista e rasteiro da mensagem eleitoral bolsonarista de violência e criminalização dos conceitos de tudo o que esteja dentro do “politicamente correto”.

A maioria do povo nordestino, portanto, se une a amplos setores democráticos na luta contra um governo que se mostrou inepto, intolerante e abertamente hostil às conquistas e à inclusão social e que, acima de tudo, tem flertado perigosamente com o autoritarismo.

*Ricardo Coutinho, ex-governador da Paraíba (2011-2018), atual presidente da Fundação João Mangabeira, do Partido Socialista Brasileiro (PSB).*

Você pode gostar também

2 Comentários

  • Reply Lumière 24 de maio de 2019 at 17:05

    EMBRAER: SITE DIBULGA CASO DE TRAIÇÃO E NEGOCIA
    Por Fernando Brito · 23/05/2019

    Nunca citei o nome do site O Antagonista neste blog. Como porta-vozes da direita, porém, fica claro que não é uma conspiração esquerdista.

    Se são verdadeiros os documentos que divulgaram agora há pouco, estamos diante de um escândalo de proporções monstruosas, que exige, de imediato, a revogação da autorização do Governo para a venda da Embraer à Boeing.

    Em resumo, os especialistas da Força Aérea Brasileira dizem que o negócio atende, exclusivamente, às necessidade da Boeing, que precisava, para manter sua viabilidade diante da Airbus, que comprou a canadense Bombardier, de jatos de porte médio, entre 100 e 250 passageiros.

    O desenvolvimento de uma aeronave comercial leva perto de uma década para ser feito. E o relatório diz que isso seria “entregado pronto”, porque diz que “as aeronaves E-190 E-2 e E195 E-2 [da Embraer] supririam completamente as necessidades da empresa[a Boeing], concorrendo com o CS-100 e parcialmente com o CS-300 [da Bombardier, agora Airbus A 220-100 e A 220-300, com capacidade para 110 e 135 passageiros, respectivamente]”. Em parte, supririam também o “buraco” criado pelo mico do Boeing 737 Max, em razão dos acidentes recentes por falha do aparelho.

    Pior: o documento revelado diz que, segundo os pareceres da Aeronáutica, a proposta de separar as duas áreas – aviação comercial e defesa – “irá eliminar o processo de investimento público brasileiro na inovação da Embraer Defesa, pois não será coerente investir recursos para novas tecnologias que serão transferidas para a Embraer Comercial”, que passou ao controle da Boeing.

    Militares entregarem o interesse nacional, por dinheiro, a estrangeiros tem um nome: traição.

    O presidente Jair Bolsonaro disse, no dia 10 de janeiro que, em “reunião com representantes do Ministérios da Defesa, Ciência e Tecnologia, Relações Exteriores e Economia sobre as tratativas entre Embraer (privatizada em 1994) e Boeing. Ficou claro que a soberania e os interesses da Nação estão preservados.’

    Estão, diante deste relatório?

    Ele foi entregue ao Presidente da República?

    Quem ganhou dinheiro para trair o interesse nacional? Ou isso foi feito gratuitamente?

    Até Jair Bolsonaro é capaz de compreender que isso é a renúncia a termos não só tecnologia aeronáutica comercial como tecnologia de defesa aérea do país.

    Não há razão, agora que a Embraer é uma empresa privada, para manter sigilo sobre estes documentos.

    Nem para que esta transação seja sustada até que se esclareçam os fatos que estão sendo levantados, antes que se tornem irreversíveis.

  • Reply Pedro Mário 25 de maio de 2019 at 00:20

    Ótimo texto. Gostei. Escreve muito bem. Parabéns!

  • Deixar uma resposta

    Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.