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Porque hoje é sábado

13 de abril de 2019

1 – Tem gente que muda de jeito como quem muda de roupa. Basta assumir uma função importante para deixar de lado hábitos antigos e adotar maneiras que combinem com o cargo. Mas isso não é, felizmente, regra. Conheço pessoas que passam pelos cargos sem que os cargos deixem suas marcas. Uma delas é o desembargador Márcio Murilo da Cunha Ramos, o menino de Doutor Miguel Levino. Hoje é presidente do Tribunal de Justiça, mas continua trocando idéias com a gente no Facebook, criticando quem mereça ser criticado e elogiando que deve receber elogios.

2 – Alguém falava em bredo de Semana Santa. Bredo é um mato que nasce em qualquer monturo. Um mato que passa o ano inteiro esquecido, mas que na Semana Santa assume ares de raro paladar e é perseguido por todos aqueles que adoram um bom peixe no coco com, adivinhem, bredo. E é gostoso, com sabor de quero mais, doçura de um passado que bole no coração e faz ressurgir uma lembrança misturada com a saudade de um tempo que se foi e não volta mais.

3 – Eu lembro. Nos tempos de bom inverno, quando o Macapá enchia e os açudes sangravam, o velho Miguel Fotógrafo pegava a tarrafa, um balaio e seguia para a pescaria. Nós, os sambudos, íamos juntos. Perder aquela festa? Jamais! E à cada jogada da tarrafa, dezenas de piabas e corrós caiam no balaio. E a meninada festejava como se fosse o maior acontecimento do mundo.

3 – No final da aventura, o balaio voltava para casa cheio de peixes. E dona Emilia tirava o fato deles e depois jogava na panela para a gente comer com bredo, arroz do Piancó e feijão verde tirado da roça e debulhado no batente de casa em meio as boas conversas das comadres e compadres.

4 – De vez em quando aparecia alguém pedindo um jejunzinho, que nada mais era do que um adjutório em forma de comida para quebrar o jejum do devoto de Jesus Cristo. Era na Semana Santa que o pobre mais comia, jejuano.

5 – Aquela cena do jejum levou o menino de Seu Miguel a fazer a mesma coisa em rua distante. A cuia na mão, o bisaco de pano pendurado no ombro, e haja “me dê um jejunzinho”. Pena que Seu Miguel tenha visto na metade da operação e obrigado o menino a correr pra casa com a bunda ardendo depois da lapada de cinturão.

6 – Seu Vigó e Zé Carnaíba eram os pescadores mais afamados. Eles exibiam seus troféus e os vendiam de porta em porta. Traíras enormes, aquelas de lombos pretos, eram retiradas do Açude Velho pelos anzóis dessa dupla e depois saboreadas pelos que podiam comprar.

7 – Quem não podia, contentava-se com o bacalhau do Governo. Um bacalhau salgado, chegado em caixotes de madeira e comido às escondidas para os vizinhos mais abastados não mangarem da pobreza franciscana dos comensais. Isso mesmo, meu estimado amigo, bacalhau já foi comida de pobre.

8 – Na Sexta da Paixão, ninguém tomava banho ou comia, para não pecar. Era o dia da morte de Nosso Senhor Jesus Cristo e tudo era pecado. As mulheres da Rua da Lapa fechavam suas portas e deixavam os pecadores só na vontade. Até o sino silenciava. O sacristão Dão Mandu tocava a matraca, que era um ferro adaptado numa tábua de madeira. O seu toque parecia um soluço.

10 – Mas no Sábado de Aleluia, depois que Jesus ressucitava e o Judas traidor era despedaçado pelos tiros de espingarda de Seu Duquinha e pelas bombas de Pedro Fogueteiro, a festa rolava no centro. Era forró em toda esquina, baile de rico no Clube, leilões na porta do convento e menino sendo fabricado entre as pedras da Lagoa da Perdição.

11 – E agora lá se vão meus abraços para Isaias Gualberto, João de Carlota, Chico de Nadir,Tonheca de João de Oliveira, Mário de Simpilício, Mitonho de Mourão, Bicudo Massaroca, Dionísio de Vitalina, Wilson de Maria Buchim, Antonio de Zé Sobreira, Severino de Corina, Bezinho de João Fernandes, Mundinha Macaxeira, Lurdes de Zé de Biró, Lurdinha Filizardo, Gil de Né Caipora, Luizinha de Fila, Lurdes de Carmélia, Preta de Luizinho, Maria de Tia e Lurdes de Abdias.

12 – Chicão é um sujeito mais grosso do que tronco de baraúna. Todos os seus conterrâneos de Uiraúna sabem disso.

Dia desses, chegou em casa meio despranaviado, com umas duas meiotas no quengo. Abriu a porta e encontrou a mulher deitada numa rede, reclamando:

-Chicão, tá me dando uma coisa!

Sem ao menos parar para ouvir direito a mulher, ele recomendou, lá do corredor da casa:

-Não receba, ôxente!

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8 Comentários

  • Reply Diassis 13 de abril de 2019 at 06:59

    Eita Tião, agora vocês foi ao fundo do baú, ao ler está matéria fui vivendo todos os momentos narrado por você. Falando ainda das traíras lembrei também que Seu Nego que morava na Sambra, mestre em pegar traíra no açude velho neste naipe que foi falado.

  • Reply Geraldo Moreira de Menezes 13 de abril de 2019 at 07:44

    Companheiro Tião faz a todos fazer ima viagem.
    Cada um em seu tempo e a suas personagens.
    Mais as histórias se confundem….
    E o sentimento de Nostalgia nos toma por completo… só Deus na Causa.

    • Reply Valmir gomes 13 de abril de 2019 at 12:40

      Tião a tempos atrás um certo senhor de cargo alto ,ele era juiz e dos bons ou um dos melhores , mas vc o encontrava em alguns lugares como o shopping, de bermuda e camisa e sandália , um jornal na mão e conversava com qualquer independente de classe , seu nome Hitler Cantalice , era uma pessoa boníssima, bom final de semana grande Tião.

  • Reply ZECA DE BASTO 13 de abril de 2019 at 08:52

    Tião, lá na Santa Rosa a gente também comia bredo com feijão verde e carne assada na brasa. No Poço Doce era do mesmo jeito. Depois que cheguei aqui na Capiral não encontrei essa cultura.

  • Reply Angela 13 de abril de 2019 at 11:06

    Texto delicioso de ler. Lamento que tenha sido tão pequeno. Saiba que você consegue
    fazer com que seus leitores resgatem também as suas próprias memórias, e comecem
    o sábado com o espírito mais leve. Obrigada e parabéns!

  • Reply Lumière 13 de abril de 2019 at 11:38

    PRIMEIRO ASSANGE, DEPOIS TODOS NÓS.
    Por Chris Hedges | Tradução: Antonio Martins

    A prisão, nesta quinta-feira, de Julian Assange, desmente todo o discurso sobre o Estado de Direito e a liberdade de imprensa. As ilegalidades praticadas pelos governos do Equador, da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos na captura de Assange são sinistras. Elas pressagiam um mundo em que as ações internas, abusos, corrupção, mentiras e crimes – inclusive os de guerra – praticados por Estados corporativos e pela elite governante global serão escondidos do público. Elas pressagiam um mundo em que aqueles que mantêm coragem e integridade para expor o abuso de poder serão caçados, torturados, submetidos a julgamentos farsescos e condenados a penas perpétuas, em confinamento solitário. Elas pressagiam uma distopia orwelliana em que a informação é substituída por propaganda, banalidades e distração. A prisão de Assange, temo, marca o início oficial do totalitarismo corporativo que ameaça definir nossas vidas.

    Sob que lei o presidente equatoriano, Lenin Moreno, liquidou de forma caprichosa os direitos de Julian Assange ao asilo, como refugiado político? Sob que lei Moreno autorizou a polícia britânica a entrar na embaixada equatoriana – que tem status diplomático de território soberano – para prender um cidadão equatoriano naturalizado? Sob que lei a primeira-ministra Theresa May ordenou que a polícia britânica agarrasse Assange, que nunca cometeu um crime? Sob que lei o presidente Donald Trump pediu a extradição de Assange, que não é cidadão norte-americano e cuja organização noticiosa não está situada em território dos Estados Unidos?

    Estou certo de que advogados governamentais estão, agora, praticando os contorcionismos que se tornaram regra nos Estados corporativos, servindo-se de argumentos legais para extripar direitos por meio de decisões no Judiciário. É assim que temos o direito à privacidade, mas nenhuma privacidade. É assim que temos eleições “livres” financiadas por dinheiro corporativo, narradas por uma mídia corporativa condescendente, tudo sobre férreo controle corporativo É assim que temos um processo legislativo em que lobistas das corporações escrevem as leis, e políticos contratados pelas empresas as votam. É assim que temos o direito ao devido processo judicial sem nenhum processo devido. É assim que temos governos – cuja responsabilidade fundamental é proteger os cidadãos – que ordenam e executam o assassinato de seus próprios cidadãos (como o clérigo Anwar al-Awlaki e seu filho de 16 anos, mortos por ordem de Barack Obama). É assim que há uma imprensa legalmente autorizada a publicar informação secreta vazada, e um editor numa cela na Inglaterra, aguardando extradição para os Estados Unidos, e uma autora de denúncias, Chelsea Manning, numa cela norte-americana.

    A Grã-Bretanha usará, como cobertura legal para a prisão, o pedido de extradição de Washington, baseado em acusações de conspiração. Este argumento legal, num Judiciário autônomo, seria desprezado pela corte. Infelizmente, não há mais, nos EUA, um Judiciário autônomo. Muito em breve saberemos se ele ainda existe no Reino Unido.

    Assange obteve asilo na embaixada equatoriana em 2012, para evitar extradição para a Suécia para responder questões sobre supostas ofensas sexuais, que ao final foram retiradas. Assange e seus advogados sempre argumentaram que, se colocado sob custódia sueca, ele seria extraditado para os Estados Unidos. Assim que ele obteve o asilo, e a cidadania equatoriana, o governo britânico recusou-se a garantir-lhe passagem segura para o aeroporto de Londres, aprisionando-o na embaixada por sete anos, durantes os quais sua saúde deteriorou continuamente.

    O governo Trump tentará julgar Assange por acusações de que conspirou com Chelsea Manning em 2010 para roubar os segredos de guerra sobre o Iraque e o Afeganistão obtidos pelo WikiLeaks. Meio milhão de documentos internos vazados por Manning do Pentágono e do Departamento de Estado, junto com o vídeo de 2007, de pilotos de helicóptero dos EUA atirando despreocupadamente em civis iraquianos, inclusive crianças, e em dois jornalistas da Reuters, ofereceram evidência abundante da hipocrisia, violência indiscriminada e uso rotineiro de tortura, mentiras, propinas e táticas cruas de intimidação pelo governo dos EUA em sua diplomacia e guerras no Oriente Médio. Assange e o WikiLeaks permitiram – é o trabalho mais importante da imprensa – que enxergássemos os trabalhos clandestinos do Império, e por isso tornaram-se presas deste Império.

    Os advogados do governo norte-americano tentarão separar o WikiLeaks e Assange do New York Times e do The Guardian, que publicaram, ambos, o material vazado por Manning. Para fazê-lo, denunciarão Assange por “roubo” dos documentos. Manning foi pressionada, durante sua detenção e julgamento – repetidamente e muitas vezes com brutalidade – a implicar Assange na obtenção do material. Recusou-se repetidamente a fazê-lo. Está no momento encarcerada por sua recusa a testemunhar, sem a presença de seu advogado, diante do júri reunido para o caso de Assange. Barack Obama ofereceu a Manning, condenada a 35 anos, clemência, depois de ela ter cumprido sete anos numa prisão militar.

    Quando os documentos e vídeos que Manning entregou a Assange e ao WikiLeaks foram publicados e disseminados por publicações como o New York Times e o Guardian, a mídia voltou-se contra Assange, de modo insensível e louco. Organizações que haviam publicado o material do WikiLeaks em várias edições, logo aceitaram ser veículos de propaganda obscura para desacreditar Assange e sua publicação. Esta campanha coordenada foi detalhada num documento do Pentágono, também vazado, preparado pelo Setor de Contra-inteligência Digital e datado de 8 de março de 2008. O documento pedia que os EUA destruísse o “sentimento de confiança” que é o “centro de gravidade” do Wikleaks e a reputação de Assange.

    Assange, que graças aos vazamentos de Manning havia exposto os crimes de guerra, as mentiras e as manipulações do governo de George W. Bush, atraiu a ira do establishment do Partido Democrata ao publicar 70 mil e-mails hackeados, que pertenciam ao Comitê Nacional e a dirigentes partidários. Os e-mails foram copiados da conta de John Podesta, o chefe de campanha de Hillary Clinton. Eles expuseram a doação de milhões de dólares, à Fundação Clinton, pela Arábia Saudida e o Qatar, dois dos grandes financiadores do Estado Islâmico. Também expuseram os 657 mil dólares que a Goldman Sachs pagou a Hillary Clinton por palestras – uma soma tão alta que só pode ser considerada suborno. Expuseram as incessantes mentiras de Hillary. Os e-mails mostraram, por exemplo, que ela dizia às elites financeiras desejar “comércio e fronteiras abertas”, além de acreditar que os executivos de Wall Street estavam melhor posicionados para dirigir a economia – uma afirmação que contradizia toda a sua campanha. O material expôs os esforços da campanha de Hillary para influenciar as primárias do Partido Republicano e garantir que Trump fosse o escolhido pelo partido. Revelou que ela foi informada previamente das questões que lhe seriam dirigidas num debate. Demonstrou que a candidata foi a principal arquiteta da intervenção dos EUA na Líbia – um conflito que ela julgava capaz de selar suas credenciais para a disputa presidencial. Alguns jornalistas podem argumentar que tais informações, assim como os arquivos de guerra, deveriam permanecer escondidas – mas não podem, nesse caso, continuar considerando a si próprios como jornalistas.

    Os dirigentes do Partido Democrata, interessados em culpar a Rússia pela derrota eleitoral, acusa hackers do governo russo de terem obtido os e-mails de Podesta. Mas James Comey, ex-diretor do FBI, admitiu que eles foram provavelmente entregues ao WikiLeaks por um intermediário. Assange sustenta que os e-mails não foram recebidos de “agentes de Estado”.

    O WikiLeaks fez mais para expor os abusos do poder e os crimes do império norte-americano que qualquer outra publicação. Além dos arquivos de guerra, e dos e-mails de Podesta, ele tornou públicas as ferramentas de hackeamento usadas pela CIA e pela Agência Nacional de Segurança (a NSA), e sua interferência conjunta em eleições de outros países – inclusive as francesas. Ele revelou a conspiração interna contra Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista inglês, por parlamentares do partido. Quando Edward Snowden apontou a vasta vigilância exercida pelas agências de espionagem norte-americanas sobre seus cidadãos, o Wikileaks interveio para salvá-lo de extradição aos Estados Unidos, ajudando-o a fugir de Hong Kong para Moscou. Os vazamentos de Snowden também revelaram que Assange estava numa “lista de alvos de caçada humana” dos Estados Unidos.

    Aparentemente abatido, quando era arrastado para fora da embaixada equatoriana pela polícia britânica, Assange balançou seu dedo e gritou: “O Reino Unido precisa resistir a esta ação do governo Trump… O Reino Unido precisa resistir”!

    Todos nós precisamos resistir. Devemos, de todas as maneiras possíveis, pressionar o governo britânico para interromper o linchamento judicial de Assange. Se ele for extraditado aos EUA e julgado, isso criará um precedente legal que liquidará a capacidade da imprensa – a quem Trump repetidas vazes chama de “inimigo do povo” – para fiscalizar o poder. Os crimes financeiros e de guerra, a perseguição de dissidentes, minorias e imigrantes, a pilhagem, pelas corporações, na sociedade e dos ecossistemas e o empobrecimento incessante dos homens e mulheres que trabalham, para engordar as contas bancárias dos ricos e consolidar o controle total do poder pelos oligarcas globais não vão apenas se agigantar. Eles não serão mais parte do debate público. Primeiro Assange; depois, todos nós.
    (Fonte: Outras Palavras)

  • Reply ZE POMBINHA 14 de abril de 2019 at 06:46

    Eita trio de três caba feio da gota!

    • Reply Sebastião 14 de abril de 2019 at 14:56

      O teu julgamento não me interessa. O da tua mulher, sim.

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