Ramalho Leite
Faltasse ao presidente Castro Pinto ( 1912-1915 ) outros méritos, além da sua inteligência privilegiada e envergadura moral, bastaria que se registrasse a sua corajosa decisão de afastar membros da magistratura paraibana da política partidária. Durante seu governo, nenhum juiz exerceu a chefia municipal ou ocupou cargos na área política. É bom lembrar que o seu segundo vice era o juiz de Guarabira, Pedro Bandeira Cavalcanti. Escolhido candidato de conciliação entre a oligarquia de Álvaro Machado com a iniciante força política de Epitácio Pessoa, que indicou o irmão Antônio Pessoa para compor a chapa, não se deu bem nessa tarefa. Seu governo ganharia destaque no desenvolvimento da instrução pública e no apoio às atividades culturais. Construiu o primeiro grupo escolar desta Capital, batizado com o nome de Tomás Mindelo, e trouxe carteiras escolares importadas da Bélgica. Apesar dos esforços do presidente Castro Pinto, o acordo firmado em 1912 entre Álvaro e Epitácio só perdurou até a permanência deste último na Europa.
A tentativa de acordo, vinha de alguns anos. Cunha Pedrosa foi ungido na política da Paraíba pelo seu primeiro governador Venâncio Neiva. No segundo governo de Álvaro Machado (1904-1905) foi secretário geral, ocupando o mesmo cargo na gestão de Monsenhor Walfredo Leal. Antigo venancista, começou a trazer para o governo membros do seu grupo político. Atribui-se ao deputado, senador e ministro do TCU Cunha Pedrosa a missão de unir as duas correntes políticas paraibanas. Firmado o acordo, porém, teria assumido suas preferências do passado, o que o levaria à renúncia da vice-presidência do estado, com a promessa de ser incluído na chapa de deputado federal. Esperou até o dia da eleição de 1912, quando faleceu o senador Álvaro Machado, abrindo uma vaga no senado. “Como ele narra em suas memórias, o partido que não o quis como deputado, em janeiro, alguns dias depois teve que aceitá-lo com senador”, registra Osvaldo Trigueiro Mello.
A indicação do novo senador resultou de pressão do governo federal, porém, seria provisória. A aquiescência da chefia local era condicionada a uma futura renúncia do senador Pedrosa em favor do ex-presidente João Machado (1908-1912). Em compensação, o senador renunciante seria nomeado Juiz Federal na vaga de Venâncio Neiva que estava prestes a se aposentar. Terminado seu governo, Machado passou a exigir a renúncia de Pedrosa, conforme o combinado. Pedrosa, todavia, alegava que aguardava o desfecho da segunda parte do acordo, ou seja, a aposentadoria de Venâncio no cargo de juiz federal. A impaciência de João Machado quase o leva ao desforço pessoal com Epitácio Pessoa, a quem considerava o avalista do acordo que o levaria ao Senado.
Estava o senador Epitácio Pessoa embarcando para a Europa, cercado de amigos e jornalistas, no cais do Rio de Janeiro. Eis que surge João Machado e o insulta, cobrando o cumprimento do acerto. Injuriado, Epitácio “considerou o comportamento do seu rival não somente como uma prova de “má educação”, mas como “um ato de indisciplina ameaçando levar a cisão ao seio de um partido”. Esse incidente agravou a abismo entre as oligarquias que dominavam a política paraibana e Epitácio asseverou que se tornava “impossível apoiar João Machado pois seria inépcia de minha parte eleger um inimigo; seria acoroçoar a indisciplina eleger um indisciplinado”, conforme narrativa de Linda Lewin. O presidente Hermes da Fonseca, instado por Epitácio, permaneceu neutro e, realizada a eleição, João Machado disputou a vaga de senador com Cunha Pedrosa e perdeu.
O incidente entre Epitácio e João Machado ocupou generosos espaços a imprensa da época. O noticiário carregado de ironia, alude ao fato da aposentadoria por invalidez do ex-ministro do Supremo. O escritor Flávio Ramalho de Brito, em alentado estudo sobre a República Velha, nos brinda com pesquisa a respeito do assunto: “A Paris! A Paris! É agredido um ilustre inválido em pleno caes cheio de paredros…Lá se achavam (no caes Pharoux) além de outros, os representantes do presidente da República e de todos os ministros, o general Pinheiro Machado, Lauro Miller, Sabino Barroso, ministros do Supremo, o chefe de polícia, vários deputados e senadores, algumas patentes do exército e muitas da força policial. No melhor, porém da festa, quando o caes era só abraços p´raqui, abraços p´ali, um homem, de olhar fuzilante rompe a multidão dos doentes viajantes e dirigi-se impetuosamente para o desventurado Sr. Epitácio Pessoa. Esse homem, que é o dr. Joao Machado, ex-presidente da Parahyba, disse mais ou menos o seguinte ao grande enfermo: o senhor não sae daqui sem prestar contas commigo. Então o amigo prometeu-me mundos e fundos e apoiar a minha nomeação para senador, e passa-me tranquilamente a perna, e vae calmamente gosar as delicias boulevarianas, enquanto os frutos rebentam e amadurecem em suas arvores patacas? O pobre dr. Epitácio quase não resistiu: ia morrendo…. Não se sabe a que frangalhos seria reduzido o inválido patriota se o sr. Semeão Leal não segurasse o seu adversário”…
O Correio da Manhã detalhou também os fatos acima descritos e aproveitou para retratar a forma como eram escolhidos os futuros ocupantes de cargos públicos naqueles tempos: “…Como se vê, não pode ser mais abjecta a situação à que os políticos desta terra vão relegando a República. Os governos, os deputados, os senadores os juízes são feitos aqui no Rio, pelo contubérnio de interesses condenáveis e da mais desbragada imoralidade” (Correio da Manhã, Rio, 11 de abril de 1913, Acervo BN, in Flávio Brito, “Um Político da República Velha” ).
Deve ter sido por essas e outras que o filósofo Castro Pinto terminou por renunciar à vida pública, entregando o governo da Paraíba ao irmão de Epitácio. Foi o alicerce para o surgimento da oligarquia Pessoa, sedimentada na vitória eleitoral de 1915.( Nas transcrições mantive a grafia da época)
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