Impedido de entrar em Princesa e se vingar de Zé Pereira, Lampião inventou que o coronel lhe declarara guerra para esconder que no passado o cangaceiro fora seu aliado e lhe prestara relevantes serviços.
Em entrevista ao médico do Crato, Octacílio Macêdo, no sobrado de João Mendes de Oliveira, em Juazeiro do Norte – Ceará, no ano de 1926, o cangaceiro chamou o coronel de mal, perverso e desonesto.
Sentado em tamborete e bebendo cerveja com os colegas cangaceiros, Lampião foi perguntado e respondeu:
Qual o seu nome de origem?
– “Chamo-me Virgolino Ferreira da Silva e pertenço a humilde família Ferreira, Riacho de São Domingos, município de Vila Bella (atual Serra Talhada)… Em Água Branca foi meu pai, José Ferreira, barbaramente assassinado pelos Nogueiras e Saturninos, no ano de 1917… Não confiando na ação da justiça pública porque os assassinos contavam com a escandalosa proteção dos grandes, resolvi fazer justiça por minha conta própria, isto é, vingar a morte do meu progenitor.”
Que idade tem?
– “Vinte e sete anos.”
Seu nome já é conhecido em todo o Brasil, mas por onde mesmo você tem andado no Nordeste e como enfrenta os policiais destes estados?
– “Tenho percorrido os sertões de Pernambuco, Paraíba e Alagoas e uma pequena parte do Ceará. Com as policias destes estados tenho entrado em vários combates. A de Pernambuco é uma polícia disciplinada e valente que muito cuidado me tem dado; a da Paraíba, porém, é uma polícia covarde e insolente. Atualmente existe um contingente da força pernambucana de Nazaré que está praticando as maiores violências, mais parecendo à força pernambucana.”
Seu grupo recebe proteção de muita gente?
– “Não tenho tido propriamente protetores…de todos os meus protetores só um me traiu miseravelmente. Foi o Coronel José Pereira de Lima (Zé Pereira), chefe político de Princesa ( Princesa Isabel – Paraíba), homem perverso, falso e desonesto, a quem durante anos servi, prestando os mais vantajosos serviços de minha profissão.”
No caso de insucesso com a polícia, quem o substituirá como chefe do bando?
– “Meu irmão Antonio Ferreira ou Sabino Gomes.”
Dizem que você está rico. Até onde isto é verdade?
– “Tudo quanto tenho – convenho conseguido na minha vida de bandoleiro do mal tem chegado para as vultosas despesas do meu pessoal – aquisições de armas e munições – convido notar que muito tenho gasto com distribuição de esmolas aos necessitados.”
Ao longo de sua vida nas armas e quantos combates já esteve envolvido e quantas pessoas foram mortas em batalha?
– “Não posso dizer ao certo o número de combates em que já tive envolvido. Calculo, porém, que já tomei parte em mais de duzentos. Também não posso informar com segurança o número de vítimas que tombaram sob a pontaria adestrada e certeira do meu rifle. Entretanto, lembro-me perfeitamente, de que além de civis, já matei três oficiais de polícia, sendo um de Pernambuco e dois da Paraíba. Sargentos, cabos e soldados era-me impossível guardar na memória os que foram levados para o outro mundo.”
Você sabe de tudo que acontece dos movimentos da polícia, de planos para lhe capturar?
– “Tenho também um excelente serviço de espionagem, dispendioso, embora utilíssimo.”
É comum dizerem que os cangaceiros, por onde passam deixam um rastro de sangue. Como é o seu comportamento?
– “Tenho cometido violências e depredações vingando-me dos que me perseguem e em represálias a inimigos. Costumo, porém, respeitar as famílias humildes que sejam, e quando sucede algum do meu grupo desrespeitar uma mulher, castigo severamente.”
Como anda a sua saúde, se sofre tantos ferimentos?
– “Já recebi quatro ferimentos graves. Dentre esses, uma na cabeça, do qual só por milagre escapei. Os meus companheiros também; vários deles têm sido feridos. Possuímos, porém, no nosso grupo, pessoas habilitadas para tratar dos feridos, de modo que sempre somos convenientemente tratados. Por isso estou forte e perfeitamente sadio, sofrendo raramente, ligeiros ataques reumáticos.”
O que imagina do futuro dentro do cangaço?
– “Estou me dando bem no cangaço e não pretendo abandoná-lo. Não sei se vou passar a vida toda nele. Preciso trabalhar ainda uns três anos. Tenho que visitar alguns amigos, o que ainda não fiz por falta de oportunidade. Depois talvez me torne comerciante.”
Notas complementares do colunista
– Lampião confiava demasiadamente em Padre Cícero. Caso contrário jamais teria coragem de ter se deslocado para Juazeiro do Norte, e estando lá, mostrar tanta tranqulidade.
– A visita de Lampião a Juazeiro do Norte, foi a convite de Padre Cícero, onde Lampião recebeu o título de capitão do Exército Patriótico que havia sido constituído pelo governo brasileiro para combater a Coluna Prestes.
– A primeira entrevista foi publicada originalmente no Jornal “O Ceará”. Houve outra prestada na Serra do Araripe, a cinco léguas de Missão Velha, ao jornalista José Alves Feitosa, publicada em 04 de junho de 1928, no Jornal “A Noite” de Recife – Pernambuco. Houve apenas três perguntas e igual número de respostas.
– Como não havia gravadores na época dos fatos, os jornalistas anotavam as perguntas e as respostas. O fato de Lampião ser semi-analfabeto leva a crer que os jornalistas melhoraram os termos das respostas, sem fugirem da fidelidade. Por exemplo, Lampião havia dito que pretendia ser negociante após largar o cangaço, e não comerciante, como se encontra escrito em uma das respostas de determinada pergunta.
– Antonio Ferreira, irmão de Lampião, morreu no mesmo ano em que ele concedeu a entrevista, precisamente às duas horas da tarde do dia 25 de dezembro de 1926, em face de um tiro acidental no tórax, provocado pelo rifle de Luiz Pedro, falecido junto com Lampião no massacre de Angicos.
– Lampião não chegou a tornar-se negociante (comerciante), hoje já com outra nomenclatura, de empresário comercial. Foi assassinato em 28 de julho de 1938, juntamente com a sua companheira Maria Bonita e mais nove cangaceiros, na fazenda Angicos, sertão do Estado de Sergipe.
1 Comentário
O professor Frederico Pernambucano de Melo, entre outros, transcreve essa entrevista no seu clássico guerreiros do sol. Mas, será que lampião inventou mesmo essa história? Naqueles idos tempos em que ser próximo de cangaceiros ou ter cangaceiros era muito natural para sua defesa pessoal e de suas fazendas, será mesmo? duvido muito.