Memórias

QUANDO O AMIGO MARCOLINO SOCORREU O AMIGO LAMPIÃO

11 de julho de 2020

O Capitão Lampião mandou pedir abrigo a Marcolino Pereira, em Patos de Irerê, para se recuperar de um tiro no pé direito que quase lhe arrancou o calcanhar. O tiroteio do Riacho do Navio foi intenso. A Polícia fez o cerco e os cabras de Lampião se viram debaixo de uma chuva de balas. Nem o Capitão aguentou. Levou o tiro no pé e fugiu montado no cangote de um subordinado.

O portador do recado foi o garoto Meia-Noite, assim chamado por ser preto retinto. Marcolino recebeu o recado e mandou dizer que as portas estavam abertas. Gostava de Lampião. E lhe devia favores. O maior deles foi o do resgate da cadeia de Triunfo, onde foi jogado, machucado e ferido, depois de matar o juiz da comarca durante uma festa.

Lampião cercou a cadeia e resgatou Marcolino, devolvendo-o são e salvo a Patos de Irerê.

O povoado era pequeno, mas rico. O Major Floro, sogro de Marcolino, era o homem mais poderoso da região. Só perdia para o coronel Zé Pereira, de Princesa.

O coronel era cunhado de Marcolino. Cunhado e tio. Casara com Alexandrina, irmã de Marcolino e sua sobrinha.

Lampião sabia que podia contar com o povoado de Irerê, mas não podia botar os pés em Princesa. Zé Pereira já avisara: – Se Lampião entrar aqui, sai na tipóia, morto.” Lampião era poderoso, mas Zé Pereira era mais. Contava com mais de 2 mil homens armados até os dentes. E já demonstrara sua posição contra os cangaceiros ao mandar seus comandados em patrulhas pela região do Navio à caça desses bandidos.

Irerê servia. Até mesmo para o plano de invadir Sousa e concretizar a vingança de Chico Pereira contra os poderosos do lugar. Chico era um cangaceiro de Nazarezinho que se fez bandido para vingar o pai assassinado por um pistoleiro contratado por gente poderosa de Sousa, que não foi preso e gozava da proteção do juiz e do chefe político local, Otávio Mariz, apontado como um dos mandantes.

Por isso, assim que soube da chegada de Lampião ao esconderijo de Patos de Irerê, se dirigiu para o povoado com seus cabras para tramar a vingança. Lampião, de cama por causa do pé ferido, mandou seus irmãos Antonio e Levino comandarem as operações. Cerca de 17 homens de Lampião, mais uns 80 de Chico Pereira, marcharam para Sousa, distante 400 quilômetros de Irerê.

Tudo isso acontecia sob as barbas de Marcolino e Major Floro, que nada fizeram para impedir a ação dos cangaceiros contra a cidade vizinha.

 

O JUIZ QUE VIROU ANIMAL DE MONTARIA

Na manhã do dia 27 de julho de 1924 os bandidos invadiram Sousa. A cidade foi acordada com os tiros disparados pelos cangaceiros. Otávio Mariz ainda tentou resistir, mas vendo que não deteria os bandidos, fugiu.

Os cangaceiros roubaram tudo. E o que não foi roubado, foi queimado. Os 17 cabras de Lampião, mais os de Chico Pereira, se postaram diante da casa do juiz Archimedes Souto Maior, de quem o cangaceiro conhecido por “Paizinho” tinha algumas queixas e o retiraram de dentro de casa ainda de pijama. O juiz foi obrigado a ficar de quatro, com Meia-Noite montado nele esquipando como um cavalo pelas ruas da cidade. Não morreu porque Chico Pereira não deixou “Paizinho” enfiar-lhe o punhal na goela, como era seu desejo.

Embora tivesse ordenado o ataque, Lampião não gostou do que fizeram ao juiz. Sabia que haveria consequências.

Por isso arrumou os trecos e caiu na estrada.

 

A VINGANÇA DE CHICO PEREIRA

Chico Pereira prendeu o assassino do seu pai e o entregou a Polícia. Fez isso porque cansou de esperar pela ação das autoridades. O pai dele se chamava João Pereira. Era comerciante no povoado de Nazarezinho e foi assassinado dentro do seu estabelecimento comercial por um pistoleiro contratado pelos desafetos do velho comerciante residentes em Sousa, dentre os quais o chefe político local, Otávio Mariz.

Depois que enterrou o pai, Chico, até então um pacífico agricultor, começou a cobrar justiça. E vendo que não se faria a justiça que ele tanto queria, caçou ele mesmo o criminoso e o prendeu. Dois dias depois de entrega-lo à Polícia, ficou sabendo da sua soltura. Não teve outra alternativa: foi atrás do criminoso e o matou.

Virou bandido. Cangaceiro. Perseguido pelas forças policiais, formou um bando  e declarou guerra aos que o perseguiam.

O ataque a Sousa foi o ápice da carreira de Chico. A partir daí, e mesmo tendo ele evitado a morte do Juiz de Direito, o Governo determinou caçada sem trégua aos cangaceiros. O presidente João Suassuna instalou um Batalhão de Polícia em Patos e deu ao coronel José Pereira Lima o comando da caça no território paraibano.

Foi nesse tempo que José Pereira, em rápido encontro com o tenente Manoel Benício em Princesa, deu-lhe a seguinte ordem:

– Vá a Patos de Irerê e mate Lampião. E se Marcolino se meter no meio, mate ele primeiro.

Quando Manoel Benício chegou a Patos com a volante, Lampião já tinha fugido.

Alguém da casa de Zé Pereira escutou a recomendação do coronel e deu o aviso.

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1 Comentário

  • Reply Maria Stella Pereira veras 13 de julho de 2020 at 07:59

    Eu faço parte desta história .meu avô cel.marcolino um exemplo de integridade

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