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Quero um futuro mau passado!

26 de março de 2019

Marcelo Piancó

Eu sou um saudosista de carteirinha de papelão com carimbo de almofada e tudo. Eu vi Rin Tin Tin ajudar o Cabo Rusty em muitas aventuras. Eu vi o Durango Kid disparar 114 tiros sem recarregar e sem sair de cima do seu cavalo branco. Eu vi Dr. Smith praguejar a velha lata de sardinha que teimava em detectar seu mau-caratismo. Eu ouvi Walter Abraão narrar o gol de Zuza contra a Ferroviária em 1977 pelo paulista na vitória magra do meu Verdão, ao vivo e via Embratel na rede Tupi. Eu li Capitães de Areia e Os Meninos da Rua Paulo num chão de tacos ao pé de uma estante formada por tábuas e tijolos de oito furos e cantei farofa em fá olhando a nuvem passageira que balança os caracóis dos seus cabelos. Esta é a memória afetiva que me vem à mente quando abro uma lata de Kitut ou quando sinto o cheiro de uma soda limonada ou de um guaraná champagne em rótulo de papel. Como saber quem foi melhor, o 1973 de Antônio Marcos ou 2016 de Xandy Avião? Engraçada essa comparação, pois o primeiro ídolo que cantava o amor, o desamor e o Homem de Nazaré acabou sucumbindo diante do hedonismo da bebida e o segundo que faz apologia a este mesmo hedonismo está aí firme e forte, para infelicidade de quem aprecia uma música de reserva especial. É, os tempos mudaram, mas eu não fiquei para trás, eu fui em frente e fiz estágio em telejogo pra debutar no Odissey. Eu fiz a travessia do LP para CD sem pular nenhuma faixa, sem arranhar nenhuma mídia e sem ficar no limbo do analógico com o digital. A gente escolheu ir adiante, pois como diria Belchior, o novo sempre vem e o que nos cabe é apenas classificar o que ficou pra trás, dividir a prateleira das lembranças em sonhos e pesadelos, em tapas e beijos ou em reminiscências deletáveis.
Hoje vejo que a saudade está na moda, volta de coturno e baioneta para celebrar os feitos heróicos dos que escreveram a história com a Bic de duas cores, o azul do céu de brigadeiro e o vermelho do sangue comunista que lavou os porões que defendiam a pátria, a família e os bons costumes da superfície. É por isso que hoje sou um futurista de carteirinha olográfica com assinatura digital online e com impressão 3D. Por isso vou passar seu 31 de março, que é meu primeiro de abril, tomando um Cuba Libre e curtindo um LP de Antônio Marcos que eu baixei no Deezer.

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5 Comentários

  • Reply Marcelo Piancó 26 de março de 2019 at 14:53

    Mestre, estão querendo proibir a gente até de ter saudade da boa. Mais uma vez agradeço o espaço. Um abraço com a esquerda atracando com a direita.

  • Reply JOSÉ JAN R. DE P. FRIRE 26 de março de 2019 at 16:48

    Belo texto.

  • Reply Gena 26 de março de 2019 at 19:10

    Varei macho! Tu pensou o que eu estava pensando e não conseguia dizer! Acho que eu estava ENTALADO.
    VAREI!

  • Reply JOCA 27 de março de 2019 at 01:02

    Tião, eu não conhecia a vertente de cronista de Marcelo. Nunca poderia imaginar que o nosso humorista podesse escrever um texto tão sério e bonito. E eu pensava que conhecia Marcelo Piancó !!!

  • Reply Marcelo Piancó 28 de março de 2019 at 10:00

    Abraço a todos.

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