Por Gerson Camarotti
Uma carta aberta assinada por quatro subprocuradores da República com críticas à gestão do procurador-geral da República, Augusto Aras, foi lida na tarde desta sexta-feira (31) durante reunião do Conselho Superior do Ministério Público, da qual o próprio Aras participava.
A carta foi lida por um dos subscritores, o subprocurador-geral da República Nicolao Dino. Aras contestou (leia mais abaixo).
Aras enfrenta uma crise interna no Ministério Público Federal desde que requisitou o compartilhamento de informações com a cúpula da Procuradoria-Geral da República de informações das forças-tarefa da Operação Lava Jato. Diante da resistência das forças-tarefa, Aras recorreu ao Supremo Tribunal Federal e obteve acesso a todas as informações produzidas pelas forças-tarefa. Na última terça-feira (28), durante uma transmissão pela internet, Aras afirmou que é necessário “corrigir rumos” para que o “lavajatismo não perdure”.
Segundo o texto da carta, Aras, “com o peso da autoridade do cargo, e invocando o pretexto de ‘corrigir rumos ante desvios das forças-tarefas’, fez graves afirmações em relação ao funcionamento do Ministério Público Federal, em debate com grupo de Advogados, na noite do dia 28 de julho último”.
“Há que se fazer a devida distinção entre crítica e desconstrução. E um líder sabe diferenciar, assim como bem sabem os demais protagonistas e observadores da história. A crítica saudável ilumina caminhos, principalmente em tempos difíceis, renovando energias em busca de melhores estratégias de exercício funcional. Um real propósito de “correção de rumos” pressupõe espírito construtivo e empenho na promoção do bem e do fortalecimento da Instituição, gerando coragem, otimismo e esperança. Não é essa a percepção que se tem do posicionamento adotado pelo Procurador-Geral da República”, afirmam os procuradores na carta.
Aras contesta
Após a leitura da carta, o procurador-geral Augusto Aras contestou as críticas.
“A vida exige coragem, e coragem não me falta para responder a cada colega”, afirmou. “Não tenho medo de enfrentar o argumento. Não tenho receio de desagradar. Dessa forma, quero deixar claro, que os meus propósitos são os mesmos de sempre: servir o MP com a dignidade do cargo”, disse.
Segundo ele, caberá à Corregedoria do MP e ao Conselho Nacional do Ministério Público apurar os episódios referentes às forças-tarefa.
“Não deixarei nada sem resposta. Não preciso de ventríloquo, me escudar em ninguém. Que a corregedora adote as providências para que a situação aqui possa ser esclarecida. Que essa instituição republicana observe a ‘res’ publica, responsabilidade com a coisa pública, não com essa demagogia, com esse anarcossindicalismo”, declarou.
Ele criticou o subprocurador Nicolao Dino e afirmou que o colega age como “porta-voz” da oposição. “Convidei a todos para participarem da gestão. É muitas vezes mais conveniente ficar na oposição”, declarou.
“Manter o respeito e a dignidade que a carreira exige de cada um de nós. República, democracia, constitucionalismo, legalidade e moralidade, não só administrativa. Moralidade no trato com os colegas, respeitando a dignidade do colega, sem deixar que o gosto amargo de cada um transfira-se para o cotidiano da instituição. Por isso, doutor Nicolao, rejeito seus conselhos e espero que os órgãos oficiais respondam a Vossa Excelência e aos seus liderados”, afirmou.
Íntegra da carta
Leia abaixo a íntegra da carta dos procuradores lida na reunião do Conselho Superior do MP:
CARTA ABERTA AO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
O Procurador-Geral da República, com o peso da autoridade do cargo, e invocando o pretexto de “corrigir rumos ante desvios das forças-tarefas”, fez graves afirmações em relação ao funcionamento do Ministério Público Federal, em debate com grupo de Advogados, na noite do dia 28 de julho último.
Previna-se, desde já, que não se parte, aqui, da premissa de que o MPF esteja imune a críticas. Longe disso! Como Instituição de Estado, o Ministério Público pode e deve ser questionado. É inerente a seu caráter republicano a existência de canais garantidores de responsabilidade, transparência, responsividade e coordenação. Pessoas e instituições também crescem por meio da crítica e da autocrítica. O Ministério Público pode e deve ser constantemente aprimorado. Sendo composto por pessoas – passíveis de acertos e desacertos –, é suscetível ao erro, Daí a previsão legal de mecanismos de controle, revisão e aperfeiçoamento.
Mas há que se fazer a devida distinção entre crítica e desconstrução. E um líder sabe diferenciar, assim como bem sabem os demais protagonistas e observadores da história. A crítica saudável ilumina caminhos, principalmente em tempos difíceis, renovando energias em busca de melhores estratégias de exercício funcional. Um real propósito de “correção de rumos” pressupõe espírito construtivo e empenho na promoção do bem e do fortalecimento da Instituição, gerando coragem, otimismo e esperança.
Não é essa a percepção que se tem do posicionamento adotado pelo Procurador-Geral da República. A fala de S. Exa. não constrói e em nada contribui para o que denominou de “correção de rumos”. Por isso, não se pode deixar de lamentar o resultado negativo para a Instituição como um todo – expressando, por que não dizer, nossa perplexidade –, principalmente por se tratar de graves afirmações articuladas por seu Chefe, que a representa perante a sociedade e os demais órgãos de Estado.
As palavras do Procurador-Geral da República pavimentam trilha diversa e adversa, uma vez que alimentam suspeitas e dúvidas na atuação do MPF, inclusive no próprio processo de eleições internas – das quais, a propósito, S. Exa. mesmo já participou, e foi exitoso em dois momentos (eleições para o Conselho Superior, colégio de Subprocuradores-Gerais – biênios 2012/14 e 2014/16).
Um Ministério Público desacreditado, instável e enfraquecido somente atende aos interesses daqueles que se posicionam à margem da lei. Dessa forma, é absolutamente imperativo assinalar, em defesa dos valores e da estabilidade de nossa Instituição: i) que nunca, jamais, houve fraude em quaisquer eleições no âmbito do Ministério Público Federal, sendo absurdo cogitar-se de sua ocorrência; ii) que dados relativos a investigações submetidos a cláusula de sigilo só podem ser compartilhados mediante autorização judicial, com devida motivação e se necessário para outra investigações, e que, portanto, a salvaguarda desse sigilo não se confunde com opacidade ou “caixa-preta”; iii) que a independência funcional é um pilar estruturante do Ministério Público, essencial à sua atuação, sem receio de perseguições, observado, é claro, o regular funcionamento de seus canais de controle, coordenação e revisão, cuja existência legitima sua atuação; iv) que o modelo de forças-tarefas – que tão importantes resultados têm produzido em complexos casos de corrupção em todo o Brasil, de desastres ambientais, em defesa da Amazônia e tantos outros – pode e deve ser aprimorado, mas esse aperfeiçoamento não passa pela deslegitimação de seus trabalhos ou pela desqualificação de seus membros, mas sim pelo respeito à pluralidade e pelo debate produtivo e propositivo de ideias.
Brasília, 31 de julho de 2020
NICOLAO DINO
Subprocurador-Geral da República
Conselheiro
NIVIO DE FREITAS SILVA FILHO
Subprocurador-Geral da República
Conselheiro
JOSÉ ADONIS CALLOU DE SÁ
Subprocurador-Geral da República
Conselheiro
LUÍZA CRISTINA FONSECA FRISCHEINSEN
Subprocuradora-Geral da República
Conselheira
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