opinião

Sem anestesia

29 de novembro de 2023

 

EDSON VIDIGAL 

Nos preparatórios para a remoção das cataratas a partir do olho direito hoje começa meu cessar-paz com a inspiração enquanto durar o pós operatório tempo no qual entrego os reféns tomados do diabo em troca das musas aliadas que num ataque surpresa dos mais invisíveis e perversos num cochilo dos meus vigilantes a facção do inferno de dante do chamado hamás também depenando o viveiro dos pássaros canoros me levou.
E agora estou eu aqui na varanda de cima sobrepairando os verdes dos galhos das ondas do quintal esparramando incertezas, gente não vai ser com anestesia, falaram-me que ou adio pelo tempo de algumas abstinências ou fico com o tempo que preciso reter, tudo bem, mas nada de anestesia.
Ah dores, das dores, dolores, chicas, chiquitas bacanas também, este olhar já viu tantas que de me coçarem a vista me acostumei a me desprender das saudades mais doridas.
Tenho pressa em me livrar das bolotinhas coloridas que quando menos espero despontam de alguma altura e vão caindo rapidamente, uma de cada vez, desimportantes, sem significância alguma na colheita das horas.
O doutor até me deu uma explicação para o fenômeno, segundo ele, coisa normal em quem necessita urgentemente remover cataratas.
A doutora assistente parece espantada com esta minha disposição
de remoção desses entulhos imediatamente. O senhor é muito corajoso, clássifica-me, mas como se dissesse o senhor é muito louco – olha aqui, gente, gentios, ouçam-me, não sou tão louco assim tão louco quanto pareço, sequer tão louco quanto muitas vezes devia.
Mexer com o sossego das meninas dos olhos, bombardear com raio laser o lixinho que elas recolhem e guardam, parece até, com tanto zelo e carinho, já soa como insensatez e invadir-lhes as fronteiras, atirando bombas disfarçadas de raios, sem um sonífero sequer, sem anestesia, rapaz, isso não é uma loucura?
Dores desde menino não me doem, de lá até aqui tenho apanhado muito, desde que me percebi latino, sul amaricano, desde que me entendi, olha só, cidadão brasileiro!
Melhor tentar ser poeta, olhar com este olhar assim, percebe, as pessoas e as coisas, buscar a compreensão delas com faro e sensibilidade e compreensão de poeta.
Como Nauro Machado, por exemplo. Ou como José Ribamar Ferreira, o Ferreira Gullar, quem sabe.
Sem anestesia mesmo, doutor. Vamos lá!

BsB 30.11.23

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