Eu lembro o seu porte elegante, seu rosto austero, o jeito de olhar. Quando passava, todos se curvavam respeitosamente, como se estivessem perfilados diante de uma autoridade. Impunha respeito sem impor antipatia, a autoridade vinha do berço, do sangue, da valentia de guerras lutadas, de lutas travadas e de enfrentamentos que, embora deixassem sequelas, jamais lhe tiraram o orgulho de ser Pereira Cardoso da gema.
No meu tempo, já era uma senhora, bem casada e mãe de filhos crescidos. Eu menino, olhava seus passos seguros pela Rua Grande de Princesa e quedava-me em silêncio, o silêncio ditado pela admiração e pelo respeito que se dão sem que seja preciso pedir.
Dona Joanita Cardoso fazia parte daquele retrato que trago comigo, daquela rua de casas centenárias da minha infância, da sua própria casa a abrigar o velhinho elegante, de suspensórios e gravata, sapatos impecavelmente limpos e uma cabeleira alva como o algodão que seu vizinho, Eije Kumamoto, comprava dos agricultores e mandava para as usinas.
O bom velhinho, Seu Gastão.
E pensar que aquela mulher de olhar às vezes duro, era também uma artista, excelente compositora, autora de famosos e eternizados jingles cantados nas inesquecíveis campanhas políticas de nossa terra!
Hoje ela morreu, aos 98 anos foi ao encontro do homem que escolheu para dividir seus segredos e sua vida, Miguel Rodrigues, Seu Miguel de Nequinho como o chamávamos.
Deixou filhos, netos e bisnetos. E deixou a marca de ter sido a primeira e única mulher, pelo menos até agora, a governar os destinos da terra natal.
A imagem da Rua Grande segue desfalcada, desfigurada e cada vez mais irreconhecível.
Sem dona Joanita, o passado acabou de partir.
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