opinião

SERRA DA GRUNA

19 de maio de 2024

Por GILBERTO CARNEIRO
NOS fins de tarde da minha infância gostava de focar o olhar para a vista oeste do quintal da casa dos meus pais na Barriguda do Eurico, em Umburanas, na Bahia, região em que nasci, e sempre via aquela serra azul majestosa que formava uma linha reta na horizontal dando uma quebrada em um determinado ponto para formar uma depressão vertical como se estivesse comunicando que havia chegado ao seu destino.
Para mim, na minha inocência pueril, o azul da Serra da Gruna era permanente, intocável,  enigmático e indecifrável, uma esfinge, como se fosse uma cria do céu na terra.
Grande foi a minha surpresa quando um dia fui à Gruna e vi que o azul da serra era só uma pura ilusão de ótica. A montanha era um monte de pedras, uma formação rochosa heterogênea, porém sem deixar de revelar sua beleza natural, genuína, autêntica, fidedigna e original, uma formação geológica misteriosa que sempre despertou em mim um interesse mítico de descobrir o que se encontra do outro lado da cadeia montanhosa. Na inocência da minha infância fantasiosa e imaginária escalava a serra com meu pai e chegávamos ao outro lado desbravando um mundo novo repleto de tesouros e relíquias.
O tempo passou, cresci, fui-me embora, meu pai partiu para outro plano e fiquei muito tempo distante desta visão que tanto fortalece as lembranças da minha infância. Retorno e percebo que não tenho mais a ilusão da arca do tesouro. O que há do outro lado é o mesmo mundo, as mesmas dificuldades, sofrimentos e agruras de um povo que sofre com um sol castigante, uma região inóspita e carente, desprovida de políticas publicas e de oportunidades que deveriam ser lhes proporcionadas por governos que realmente se preocupassem com suas angústias e aflições. No entanto, todas essas adversidades não os enfraquecem em suas potencialidades, pois é um povo forte, guerreiro, batalhador que acredita nos seus sonhos, um povo sertanejo que é “acima de tudo, um povo forte”, como escreveu Euclides da Cunha.
Quando olho agora do quintal da casa dos meus pais sinto inicialmente tristeza ao observar a cadeia de montanhas desconfigurada com monstros de metais que fazem um barulho ensurdecedor e alteram por completo a visão genuína da serra inspiradora que alimentou tanto a mente fértil de um jovem adolescente cheio de sonhos.
Todavia, embora desnudada das suas características originais provocada pelos parques eólicos, um mal necessário que gera energia limpa, mas que provoca muitas mazelas para sus instalações; a visão da Serra da Gruna continua provocando em mim sensações prazerosas indescritiveis, que me trazem memórias maravilhosas da minha infância que regojizam minha alma e reenergiza minha matéria me dando forças para tocar em frente, sentindo o tempo todo, o tempo inteiro a presença do meu pai quando contemplo este fenômeno da natureza que tanto emoldura a minha personalidade.

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