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Sobrecarga de atividades, pressão psicológica, prazos curtos e assédios estão levando funcionários do Ministério Público de São Paulo ao suicídio

14 de junho de 2023
BRASÍLIA

Em menos de um ano, três servidores do MPSP (Ministério Público de São Paulo) se suicidaram. Um quarto funcionário tentou se matar, mas foi impedido. Três desses casos ocorreram em menos de 24 horas.

Os servidores afirmam que os colegas adoeceram por causa da deterioração na rotina de trabalho, com sobrecarga de atividades, pressão psicológica, prazos curtos e assédios. Já o comando do órgão afirma que os casos foram pontuais, de pessoas com problemas pessoais.

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Fachada do prédio sede do Ministério Público de São Paulo; servidores relatam rotina com pressão e assédio – Henrique Martins / Alesp

O primeiro suicídio ocorreu em 29 de junho de 2022. Um analista jurídico se matou no prédio sede da instituição —vários colegas viram o ato. O boletim de ocorrência registrou que ele deixou documentos e um celular destruídos na mesa de trabalho.

Uma denúncia feita ao CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), em 1º de julho, à qual a Folha teve acesso na época, relatou que ele temia perder o trabalho depois de um diagnóstico de depressão. O analista havia pedido transferência das suas funções, mas não foi atendido. No mesmo dia em que se matou, um colega havia sido demitido.

O segundo caso, envolvendo um diretor de engenharia, ocorreu em 10 de maio. Ele estava em casa, afastado de suas funções após um diagnóstico de depressão leve, e voltaria em alguns dias. Pessoas próximas afirmam que, antes da licença, ele vinha sofrendo muita pressão para cumprir as demandas do novo posto, pois ainda estava se adaptando ao cargo após uma promoção.

No dia seguinte, o auxiliar de promotoria do Centro de Administração e Transportes se matou dentro de um caminhão do MP numa viagem ao interior. Os colegas foram almoçar, ele não quis acompanhá-los. Depois, foi encontrado no veículo já sem vida. Os relatos são que a função exige muito, mas paga pouco, e ele enfrentava problemas financeiros.

No mesmo dia, um motorista tentou cometer suicídio nas proximidades do edifício sede da instituição. Transeuntes viram a cena e o detiveram. Colegas contam que, desde outubro, ele sofre com um procedimento administrativo —considerado injusto por eles. O motorista se sentiria desamparado e humilhado.

Uma pesquisa encomendada pela própria Comissão de Saúde do Ministério Público identificou, há mais de dois anos, riscos psicossociais na instituição. As respostas relacionadas à violência psicológica e ao assédio no ambiente de trabalho acenderam um alerta ao revelarem hostilidades de parte dos superiores hierárquicos —entre subprocuradores, procuradores e seus assessores.

Segundo o levantamento, 77,2% afirmavam ter sofrido algum tipo de constrangimento emocional, 50,1% se declararam vítimas de assédio moral, e 6,7% afirmaram já terem pensado em se matar.

A pesquisa também apontou que 85% apresentaram um risco aumentado de adoecimento psicológico, sendo que 42,4% adotaram tratamento de saúde mental desde que ingressaram no MP.

Servidores ouvidos pela reportagem, que preferem não ter os nomes citados, afirmam que não denunciam a situação porque temem sofrer represálias.

Após os suicídios, um grupo de servidores criou uma página no Instagram intitulada “Nenhum servidor a menos no MPSP”, onde estão sendo postadas condolências e manifestações de servidores que se sentem vítimas de algum constrangimento.

Reprodução do Instagram

Foi organizada uma manifestação no dia 18 de maio, mas houve pouca adesão. O desafio, diz um servidor, é o medo generalizado do quadro da instituição. Foi organizada em paralelo ao ato uma campanha de doação de sangue, para que os colegas tivessem uma justificativa para não ir ao trabalho no dia.

Reprodução do Instagram

“Já vínhamos questionando as condições de trabalho no MPSP desde antes do primeiro caso de suicídio. Nós entendemos que o adoecimento mental desses servidores não são casos aleatórios”, afirma a oficial de promotoria Ticiane Natali, uma das organizadoras do movimento.

Natali, que é doutoranda em direito do trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), afirma que tomou a iniciativa porque ela mesma sofreu com a dinâmica do trabalho.

“Adoeci em razão das pressões e tive um burnout em 2019, mas não me afastei por medo de a situação de assédio piorar ainda mais no meu retorno —fora que ficaria com todo o meu trabalho acumulado. Minha autoestima ficou muito abalada e tomo antidepressivos desde então

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