RAMALHO LEITE
Aproximando-se a data do trágico desaparecimento do presidente João Pessoa, resolvi lembrar algumas passagens de sua atribulada e curta permanência no poder. São retalhos da história, já detalhada por tantos que a viveram ou pesquisaram o nosso passado até o final da República Velha. A morte de João Pessoa foi o passo inicial para os acontecimentos de 1930 que culminaram com a assunção de Getúlio Vargas ao poder.
A Parahyba, asfixiada por um conflito interno nascido em Princesa, vivia dias de agitação. Soldados do exército, por conta própria ou por ordens superiores, saiam às ruas a provocar os partidários de João Pessoa. Um grave entrevero resultou em vários feridos, resultado do choque entre soldados e presidiários que trabalhavam em serviços públicos. Nem o ordenança do comandante do 22 BC, coronel Mauricio Cardoso, escapou ileso. O coronel queixou-se ao secretário Ademar Vidal e ameaçou soltar na rua o restante da tropa. Foi sugerido, então, um encontro entre o coronel e o Presidente. Para o coronel, era demais suportar os presos “agredindo” seus soldados. Foi até a presença de João Pessoa.
Quando o coronel chegou à casa do presidente, na Praça da Independência, este almoçava “cercado pelos senhores Guedes Pereira, Murilo Lemos, Osvaldo, José e Fernando Pessoa”. Anunciada a presença do coronel Cardoso, o presidente suspende o almoço e se dirige à sala para o encontro. Olhando para os presentes, chamou-os: “Venham ver como se trata Washington Luis!.”…
Adhemar Vidal consegue memorizar as palavras do presidente, proferidas antes mesmo dos cumprimentos de praxe: “Já sei o motivo que o traz aqui. Antes, porém, de tratar do assunto, quero dizer-lhe sr, Coronel que não devo ter mais a menor consideração com o governo federal. Estou cansado de sofrer. Levo uma vida de amarguras. Se não o povo que deposita em mim a maior confiança, se não fosse a Parahyba pela qual lutarei até morrer, eu já teria abandonado o pais, com vergonha de tantas misérias e tanta covardia… Tenho filhos menores que preciso educar. Meu desejo era procurar no estrangeiro um abrigo para viver esquecido e inteiramente devotado à sua educação. Bem distante de um pais em que o próprio presidente da República é um criminoso vulgar. Mas não sr. Coronel, já mudei de pensamento. Meu coração de patriota procurará abafar essa vontade de pai. A Parahyba acima de tudo. Meu lugar é aqui. Preciso lutar até o fim.”
Testemunha ocular da história, Adhemar Vidal conta que o coronel não dava uma palavra, ouvindo, atento, o gestor paraibano que, continuou:
“O governo a que o sr serve, coronel, é um governo que não merece confiança…Planejou e sustenta o movimento dos bandidos de Princesa. Fornece-lhes armas e munições do exército nacional… E recomenda proibir que na Parahyba entre qualquer carregamento bélico para a polícia defender o ordem pública…As praias são ocupadas por soldados do exército. Agentes da polícia são desarmados e um deles conduzido preso ao quartel do 22…Os conflitos são provocados pela sua gente coronel….Meus inimigos vivem dentro do quartel do 22 e lá são recebidos com todas as atenções…Mas não tem nada não…Mande dizer ao seu patrão.sr. Coronel que nós não seremos humilhados…E se pretenderem me matar, fiquem certos de que não serei um defunto sem choro”.
Serviu o discurso perante do comandante do 22 BC. A partir de então, diminuíram os atritos. Eis um exemplo da capacidade de reação do presidente João Pessoa.
Sem Comentários