RAMALHO LEITE
Rebuscando os papeis que meu pai guardava em uma pasta, adicionada com peças que minha mãe achava que mereciam arquivo, encontrei um atencioso convite que fora enviado para o meu avô, tenente José Rodrigues da Costa Neto, senhor do engenho Poço Escuro, pelo coronel da Guarda Nacional e comendador da Ordem da Rosa, Felinto Florentino da Rocha. A missiva estava assim redigida: “Bananeiras, 20 de novembro de 1902: Illmo.Snr. Tendo de effetuar-se o casamento de minha filha Maria Engrácia da Rocha Ferreira com meo sobrinho José Antonio da Rocha Ferreira no dia 18 de dezembro p. vindouro, devendo ter lugar o acto religioso de 4 horas da tarde na matriz desta cidade e logo depois o acto civil em minha casa a rua do Livramento, tenho a honra de convidar V.S. e a Exma. família para assistirem a esses actos; e confiando que o meo convite será acceito, desde já antecipo os meus agradecimentos. Att°.Am° e Crº Obr°, Felinto Florentino da Rocha”.(grafia da época)
O comendador Felinto Rocha foi por longo período chefe partidário e senhor do baraço e cutelo em toda a região do brejo. Nunca aceitou sair dos seus domínios para voos mais altos. Mas se elegia quem ele botasse a mão. Sua força eleitoral fez dois genros deputados: Celso Cirne, em 1912 e José Antonio da Rocha, já depois de sua morte. Ao falecer deixou aos herdeiros cerca de noventa propriedades espalhadas pela Paraíba e Rio Grande do Norte. Foi ele que na feira de Moreno, proclamou: “aqui eu quero, posso e mando”. Era filho de Estevam José da Rocha, o Barão de Araruna e sobrinho de José Ferreira da Rocha, o Coronel Camporra.
O noivo a que se refere o convite acima transcrito foi prefeito de Bananeiras e deputado à Assembléia Constituinte paraibana em 1934. Eu o conheci e estive em sua casa à Duque de Caxias, na capital, acompanhando o deputado Clovis Bezerra. Era filho do capitão João Antônio Ferreira, que foi deputado provincial em 1882 e 1983 e de Ana da Conceição Ferreira Rocha, esta filha do Barão de Araruna, portanto, irmã do coronel Felinto. O casal residiu até o fim da vida em Guarabira em condições financeiras confortáveis. Zé Antonio era sobrinho do seu sogro.
No auge da febre cafeeira, quando a produção da rubiácea rivalizava com São Paulo e Minas, uma verdadeira civilização do café nasceria em Bananeiras. Em 1914 coronel Zé Antonio construiu sua residência em Bananeiras – aquele belíssimo sobrado que fica na curva de quem sobe para a Igreja. Outros cafeicultores fizeram o mesmo e hoje a cidade conserva essas relíquias da arquitetura do século passado. Para chegar até esse resultado, muitos anos foram vencidos desde que um sujeito chamado Tomé Barbosa plantou por aquelas bandas os primeiros pés de café. As mudas vieram de Mamanguape onde não se adaptaram aos tabuleiros costeiros. As terras férteis do brejo serviram de primeira para a cultura e, dotaram a Paraíba de uma “zona privilegiada, mais feliz que as outras pela existência de um produto mais rico do que os outros”, como disse Celso Mariz. Não fosse a praga do cerococus parahybensis dizimar as plantações antes que chegasse o ano de 1925.
O barões do café ajudaram a construir o exuberante tempo à Virgem do Livramento mas sua contribuição era retribuída no tratamento diferenciado que lhes era reservado nas solenidades religiosas. Os maiores contribuintes tinham direito a adorar a Virgem e gozar o espetáculo das solenidades do alto das tribunas. Passo a palavra a Celso Mariz, que pelos idos de 1944, em palestra no Bananeiras Clube descreveu o apogeu dos novos ricos: “Para elas (as tribunas) subiam nos dias de N. S. do Livramento os doutos dignatários da Corte Celeste, as famílias granfinas da época. A tribuna dos Rocha, a tribuna dos Neves, a tribuna dos Maia, a dos Bezerra, a dos Guedes Pereira, a dos Pinto… até quando o vigário Zé Diniz, desejando modernizar o tempo, tapou aquele genuflexório da elite”. Isto é, acabou com as tribunas e o privilégio.
A praga cafeeira arrefeceu o animo desses produtores esbanjadores que costumavam, segundo a lenda, dar banho de cerveja nos seus cavalos e acender charutos com nota de mil de réis.“O velho Targino, por exemplo, diz Celso Mariz, “ é mesmo lembrado aqui como um exemplo de homem gozador, que esbanjava dinheiro de suas safras em viagens e hospedagens fidalgas, de mesa sempre variada e fina. Em suas porcelanas de monogramas de ouro serviram-se as comitivas de Álvaro Machado e do nosso primeiro bispo”.
O comendador Felinto, todavia, ampliou a fortuna que lhe deixou o Barão e legou aos filhos um grande patrimônio. Competiu a esses, com raras exceções conservar o recebido. Se não era de esbanjar, também não fugia à ostentação, quando necessário. Casar a filha era uma dessas ocasiões. Quando fez constar do convite de casamento, sua confiança de que o “meo convite será aceito”,é por que sabia que nem o tenente Zé Rodrigues, lá de Poço Escuro, perderia essa festança.
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