RAMALHO LEITE
Estamos a rememorar os acontecimentos que em 1930 convulsionaram a Parahyba e serviram de estopim para deflagrar a chamada Revolução. A preliminar foi a luta armada pelo coronel José Pereira em Princesa e depois, a morte de João Pessoa, sem dúvida, uma consequência dessa batalha. Logo no início da rebelião, o presidente João Pessoa criou por decreto um Batalhão Provisório subordinado à Força Pública, que deveria ser integrada por 800 homens, todos voluntários. Os considerandos do decreto já demonstravam o espirito beligerante daqueles dias: “ …que a 24 de fevereiro do corrente ano, José Pereira Lima promoveu um movimento sedicioso em Princesa, armando grupos de cangaceiros contra a ord em const ituída; …que, solidário com esse movimento, o bacharel José Duarte Dantas à frente da gente armada recebeu à bala a força sob o comando do tenente Ascendino Feitosa, que ia destacar em Teixeira…que, José Pereira Lima mandou os seus capangas atacarem a vila de Teixeira”.… e por aí vai, desse diapasão.
Para comandar esse batalhão provisório foi nomeado o capitão Irineu Rangel, para João Lelis, “uma das autênticas bravuras dos nossos sertões e espírito de invejável capacidade de sacrifício… generoso e tolerante, e possuindo, além disso, um bom conjunto de virtudes como soldado, remoe por tempo longo uma decisão. Mas tomada esta, nada o detém no executá-la. Nem o diabo pode mais…tem porém, a teimosia do sertanejo rude. E nisso ninguém lhe passa a perna”. Depois de descrever as excepcionais qualidades desse soldado paraibano que honrou nossa briosa corporação, João Lelis descreve um episódio que me animou registrá-lo para meus poucos leitores.
Há 18 dias a cidade de Tavares, dominada pelos rebeldes, estava cercada pelas tropas legais. O capitão Irineu Rangel partiu de Piancó e nas cercanias da cidade investe contra os sitiantes e algumas horas depois o comandante do Batalhão Provisório estava dentro de Tavares. Cumprida sua missão, o tenente Rangel descansa por uma noite e se prepara para, na tarde seguinte, voltar ao Piancó. Manda selar uma burra, chama o corneteiro e seu ordenança para juntos fazerem a caminhada pelo mesmo trajeto da vinda. O capitão Costa, comandante das tropas temeu pela vida do seu companheiro. Era uma loucura, enfrentar a caatinga, à noite, com as estradas infestadas de cangaceiros. Chamou-o de maluco. Voltar a Piancó com apenas um ordenança e um cornete iro….
Outros oficiais interferiram para evitar um mal maior. Temiam uma emboscada que tirasse a vida daquele seu estimado companheiro. Nada o demoveu. Precisava chegar a Piancó. Ofereceram-lhe mais homens e ele recusou. Desistindo do intento de dissuadi-lo daquela empreitada perigosa, um de seus pares concluiu, segundo relata João Lelis:
–Aquele, se não morrer, vai servir de ordenança a Zé Pereira…
O previsto aconteceu. Aproveitando a escuridão da noite sertaneja, os rebeldes atacaram o pequeno comboio de Irineu Rangel. À frente o corneteiro, Irineu no meio e o ordenança logo atrás. Os rebeldes, protegidos por pedras que serviam de trincheira e os soldados no descampado da estrada. A fuzilaria era intensa e não havia condições de Irineu Rangel defender-se no mesmo patamar. Partiu para a astúcia. Em voz alta o suficiente para ser ouvido pelos atacantes, gritou:
–Tenente China, ataque pelo franco esquerdo! Tenente Benício, ataque com seu pessoal pelo flanco direito. Corneteiro, toque avançar!
Os rebeldes, que estavam em maior número, imaginaram que volumosa tropa os cercariam. Partiram em debandada e não chegaram a ouvir a gargalhada de Irineu Rangel. (Consultei João Lelis em “A Campanha de Princesa”. Mantive a grafia da época)
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