Memórias

UM MERGULHO NO PASSADO

5 de setembro de 2021

RAMALHO LEITE

Visitar o Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba é uma experiência singular para quem gosta de vasculhar o passado. Um dia cheguei lá, munido de máscara e luvas que me foram cedidas e vivi essa viagem. Reencontrei, além dos meus próprios rastros, muita gente que os escaninhos do meu cérebro haviam arquivado.
Não fui muito longe para rever Archimedes Cavalcanti, secretário de redação da Tribuna do Povo, jornal mantido pelas então chamadas classes conservadoras, sob o patrocínio da UDN e dirigido pelo deputado Clovis Bezerra que sucedera a Joacil de Brito Pereira na mesma missão. Archimedes foi o meu professor de jornalismo. A minha primeira escola foi a Tribuna. Como estudante do Lyceu comecei a levar uma coluna semanal com assuntos da educação. O meu noticiário envolvia, principalmente, os movimentos estudantis, em efervescência nascente naqueles anos da década que se iniciara em 1960 e alcançaria seu apogeu em 1968.
A minha coluna, Tribuna Estudantil, era revisada, minuciosamente, por Archimedes. Ele não se limitava à correção do texto, mas acrescentava boas lições sobre a melhor forma de redigir. Abusar de adjetivo era um crime imperdoável. Ir direto ao fato, a primeira lição. Aprendi muito com aquele grande paraibano, que, inclusive, foi membro do IHGP.
Manuseei uma coleção de A Tribuna do Povo e deparei-me com a manchete que destacava uma entrevista em página inteira do governador Pedro Gondim: “Posição da Paraíba: contra o golpe, pela legalidade e a Constituição”. O governador firmava posição com relação à posse de João Goulart, após a renúncia de Janio Quadros. Vivia-se a Campanha da Legalidade, evento que durou exatos 14 dias e se propunha a garantir a posse do vice-presidente, em viagem à China, para estabelecer relações comerciais, por delegação presidencial. O governador da Guanabara, Carlos Lacerda, amparado por militares contrários à posse, proclamava que Jango fora à China conhecer o regime comunista para implantá-lo no Brasil. Pedro Gondim deu a posição da Paraíba. Em 64, pretendeu repetir essa postura, mas terminou por apoiar o movimento militar, responsável pela cassação do seu mandato de deputado federal, alguns anos depois, quando tentou ressuscitar sua natureza rebelde.
Relembrei Adalberto Barreto, esparramado em uma velha poltrona da Associação Paraibana de Imprensa, da qual era presidente, enquanto nas janelas do prédio, bocas de som amplificavam para a rua Visconde de Pelotas e vizinhança, as notícias transmitidas pela Rádio Guaíba, diretamente do porão do Palácio Piratini. A voz de comando era de Leonel Brizolla, que formara a Cadeia da Legalidade e, juntamente com o general Machado Lopes, assegurava a posse de Jango, a partir do Rio Grande do Sul.
Jango tomaria posse com seus poderes podados pela adoção de um parlamentarismo que já nasceu capenga e entronizou Tancredo Neves no cargo de primeiro-ministro. Seu tumultuado governo caminhava para ser golpeado. No comício da Central do Brasil, uma sexta-feira 13, assinou decretos que desagradaram às elites e encantaram as esquerdas. Eis o motivo que faltava para justificar o golpe. Jango, apeado do poder e exilado, só voltaria ao Brasil depois de morto.

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1 Comentário

  • Reply José Tarcízio Fernandes 5 de setembro de 2021 at 20:21

    Ramalho Leite, vivi intensamente a Campanha da Legalidade, de dentro da API. Era o jornalista Adalberto Barreto o seu presidente, que dirigia também a Rádio Tabajara, quando nela eu trabalhava como “tradutor de telegrama”, colhendo material das agências nacionais e internacionais para abastecer o grande locutor Paulo Rosendo, em seus noticiários, de hora em hora. A Campanha da Legalidade projetou Leonel Brizola no cenário da política nacional, como um de seus mais destemidos líderes movidos de ideias por um Brasil insubmisso a potências estrangeiras e em defesa das riquezas nacionais. Um nacionalista de verdade, como poucos de ontem e de hoje.

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