Valdemar José Solha
– Você é o Solha, não?
– Aham.
– Uma breve conversa em particular, é possível?
Nunca fui muito de praia, mas estava ali, com a família, acho que no Bessa. A época, ainda a da ditadura. Ouvi o que aquele homem de voz baixa me disse quase que telegraficamente:
– Sou conhecido como Chico Veneno. Participei da luta armada, fui ferido na Serra de Caparaó, casei-me com uma enfermeira holandesa, tivemos um filho, a situação ficou muito difícil … e ela se foi pra Europa. Estou precisando muito de um emprego pra poder trazer os dois de volta. Aproximei-me de você porque soube que é amigo do arcebispo da Paraíba, pelo que queria… que me levasse até ele, pra ver se ele me dá uma mão.
– Bom, Chico: não tenho lá essas intimidades todas com Dom José Maria Pires, sequer sou católico, nem ao menos cristão. Apenas fiz o texto de uma cantata,- Eu sei, de Alagamar.- É, e – bem: Dom José recebe todo mundo sem essas e aquelas – como fez comigo várias vezes.
No dia seguinte sentamo-nos, os três, no pequeno terraço da velha casa paroquial, que ficava entre a matriz e a Igreja de São Francisco. Dom José me ouviu e ao desesperado Chico, que lhe disse:
– Consegui um único emprego depois de muito tempo, mas como sou fichado, procuraram o pessoal que me empregava e fui demitido. Não sei mais o que fazer, é uma situação insuportável.
Dom José, pausadamente:- Olha, Chico: alguém com seu currículo só tem uma saída: trabalhar por conta própria.
– Mas trabalhar em quê, eu não sei fazer nada, Dom José! Minha vida sempre foi essa luta: entrei menino pras Ligas Camponesas, depois veio 64 e tudo mais… Por isso queria que o senhor me arrumasse qualquer coisa, qual-quer coisa! Trabalhar na horta, servir cafezinho, varrer chão, qual-quer coisa.
A frase de Dom José doeu:- Infelizmente não posso ajudá-lo.
Saímos, ficamos os dois na calçada por um tempo:- Sinto muito, Chico.
Dois ou três dias depois, dei com a foto dele na primeira página d“O Norte”: matara-se com um tiro na cabeça.
4 Comentários
Lamentável é ver muitos que tem conhecimento desse período tenebroso, ter aderido à essa onda de falso moralismo, intolerância e ódio.
Em defesa do combate à corrupção, não é!
Nossa, que tragédia !!! Valeu, pela sinceridade !!! Mais uma vítima do socialismo cruel !!!
O fato narrado ocorreu durante a ditadura militar.
Eu não sabia, até hoje, que o Castelo Branco, o Costa e Silva,
o Medici, o Figueredo, e o Geisel, eram todos “socialistas cruéis”.
Alguém está precisando conhecer um pouco mais a real História
do período da ditadura militar.
Oh, Tião! Pensei que seria uma história (real) de final feliz … lamentável…!