Marcos Pires
I
Havia em uma pequena cidade do interior da Paraíba um vivente por nome Toinho de Bastião, que jamais pagara qualquer conta, muito embora vivesse de comprar fiado. Sua merecida fama era do conhecimento de todo o comercio local, e os donos de lojas tinham verdadeiro pavor de Toinho, mas não havia como evitar seus golpes.
Num fim de tarde de dezembro, às vésperas do natal, Toinho encostou no balcão da loja de Zé Bitu e tome-lhe conversar com o proprietário. Lá pras tantas, quando Zé Bitu já estava amaciado, Toinho fez que reparou numa tesoura que estava no mostruário e atacou:
– Êita, Zé, mas era essa tesoura que eu tava procurando para dar de presente a mãe pelas festas. Que beleza. Quanto custa?
Zé Bitu arrepiou-se todo, sentiu o golpe e tentou desviar:
– Serve pra você não, Toinho, essa tesoura é muito cara.
– Mas cara quanto? Qual é o preço dela?
– Cara demais, deixa pra lá.
– Homem de Jesus, diga pelo menos quanto custa.
– Olha, Toinho, dessa mesma tesoura tem pra vender no armarinho de dona Lurdes, ali do outro lado da praça, por vinte e cinco mil reis. Essa aqui eu só vendo por duzentos e cinqüenta mil reis.
Pensava Zé Bitu que aumentando dez vezes o preço, faria Toinho desistir da compra. Qual o quê!
– Pois Zé Bitu, eu não vou comprar lá em Dona Lurdes não, ela é cheia de nó pelas costas e depois ela não gosta de mim de jeito nenhum. E tem mais uma coisa, agora que eu dei a palavra a você, não posso voltar atrás. Vou comprar é aqui.
Zé Bitu gastou tempo e saliva tentando dissuadir Toinho. Era um absurdo deixar de comprar por vinte e cinco mil reis a mesmíssima tesoura que ele estava vendendo dez vezes mais caro. Enfim capitulou:
– Tá certo, Toinho, vou vender a você.
– Pois pode preencher a promissória que em trinta dias eu pago.
Zé Bitu cansado, de saco cheio, tomou do bloco de notas promissórias e preencheu o valor da venda. Quando terminou, entregou a Toinho e enquanto ele assinava, Zé Bitu desabafou:
– Olha, Toinho, você pode até nem me pagar, mas que eu botei pra lascar no preço, eu botei.
II
O avô do gordo Ariano avalizou uma promissória para um compadre que não pagou a divida. O avalista pagou e guardou a promissória numa gaveta. Dois anos depois reencontra o compadre, que na maior cara de pau ataca:
– Meu compadre, pelo amor de Deus, preciso de seu aval para levantar dez mil reais no Banco do Brasil; é urgente, caso de vida ou morte.
– Compadre, eu avalizei para você há dois anos e você não pagou, como é que agora você me pede isso?
– Ah, compadre, aquilo foi uma desgraça. Nem queira saber. Mas eu lhe garanto que dessa vez a coisa é diferente.
E tanto encheu o saco que, meia hora depois de insistentes argumentos, o avô de Ariano capitulou; terminou avalizando a promissória.
Nem bem havia assinado o papel, o compadre deu-lhe as costas e saiu andando pela rua, mas o avalista ouviu muito bem o resmungo:
– Agora só falta arrumar outro fela da puta igual a esse, porque o banco exige dois avalistas.
E o avô do amigo Ariano:
– Eu mereço, eu devo ser mesmo um filho da puta.
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