Aldo Lopes de Araújo
Sempre fomos amigos, desde os tempos de menino. Na UFPB fizemos cursos diferentes, fui para a área jurídica, quando devia ter feito comunicação social. Mesmo assim, sobrevivi como jornalista por quase dez anos, quando parti para outros carnavais. Zé Duarte botou o diploma debaixo do braço, arrumou os livros numa ruma de caixotes, deixou uma ruma de amigos e admiradores e fez o caminho inverso, pau-de-arara antípoda de si mesmo, desembarcou em Princesa para ficar. Declinou de todas as ofertas de emprego que recebera mundo afora, escolhendo viver em sua terra natal. Dizem que foi chamado até para dar uma nova redação no regimento interno do Céu, uma forma de barrar os políticos estúpidos que usam o Santo Nome em vão, quando sabemos que Deus e a pátria são os últimos refúgios dos canalhas.
Personalista, valente, abusado, chato e fumante, Zé Duarte pilotou uma rádio em Princesa por muitos anos, com a mesma desenvoltura com que abriu e bebeu garrafas e mais garrafas no bar do seu uisqritório, sonhou e amou na vida, enquanto colaborava com rádios, jornais e revistas pelo país afora. Marqueteiro de candidatos a tudo nesse mundo: de líder de bairro a vereador, prefeito e deputado. Fonte de consulta para quem quer que seja, pagando ou não pagando, sempre a palavra honesta a dizer se o texto está bem escrito ou se é uma merda, e seus olhos brilham de vaidade intelectual quando o texto está uma merda e ele diz na cara do sujeito a verdade crua, sem calcinha. Marqueteiro de primeira grandeza, maquiavélico e estrategista tal qual um Napoleão da palavra, José Duarte Lima sempre deixa o opositor naquela posição em que o célebre conquistador francês perdeu a guerra.
Ultimamente sua saúde não navegou em céu de brigadeiro, passou por umas turbulências, mas se recuperou. O problema dele devia ser o cigarro, conforme o diagnóstico preciso de Zé de Edezel, um dos maiores amigos do notável, sempre a me perguntar se eu já fui fazer-lhe uma visita, mal encosto no balcão da mais tradicional farmácia de Princesa, desde os tempos do seu avô, José Frazão, ministro do Interior do Território Livre de Princesa, o homem que colocou sua cabeça a prêmio por ter assinado o Ato Institucional número 1 da República emergente, nos idos de 1930. Estou sempre indo visitar Zé Duarte, mas quando o homem está “de lua”, como dizia Aloysio Pereira, procuro evitar. Nesses momentos sei que ele está produzindo. E nem ouso tocar a campainha, faço como fiz uma vez: joguei por cima do muro uns trinta livros que consegui num sebo de Natal, uma chuva de livros caiu sobre grama, sobre as estatuetas de anões do seu jardim encantado.
Fecho os olhos e vejo Zé Duarte atravessar o gume dos paralelepípedos da rua José Muniz Diniz, onde cada pedra é um compartimento estanque, um exercício de raciocínio lógico para a sua gramática pessoal. É o exercício de saber o chão, onde ele toca os pés e se firma para a partir daí estabelecer a conexão com seus neurônios, seu universo de erudição. Pronto, eis o tratado. De pernas curtas e arqueadas, tal qual o Hobbit em sua desolação, personagem do mundo de Tolkien, ele mergulha no gigantesco portão dos muros altos de sua casa e desaparece por uns dias, como se tivesse entrado num portal. Ali é o seu refúgio, seu local de trabalho, onde estão seus livros, apontamentos e rascunhos, onde está seu computador. Naquele bunker de ideias as máquinas se encontram: a fuderosa máquina pensante e produtora de conteúdos chamada Zé Duarte, com DNA e CPF, e a outra máquina feita a partir do milagre do silício, com ID e número de série e uma porrada de megabits, mas totalmente submissa aos caprichos e à inteligência desse pequeno grande homem.
2 Comentários
Obrigado, amigo Aldo Lopes. Privilégio meu ter amigos inteligentes, dentre os quais destaco você e Tião Lucena.
O pequeno notável José Duarte.