Lavagem de honra

O negro Zé das Neves nunca foi valente, apenas farofeiro. Tangia boi, montava bem, bebia cachaça Altiva nas bodegas de Princesa, nunca casou e, se quengou, o fez escondido porque ninguém teve notícia de algum chamego seu.

Aboiava como poucos. Sabia entoar a cantiga de tanger vacas com um som de saudade que despertava até mesmo nos que não se davam ao desfrute de trabalhar no ramo uma sensação de quem tinha um pedaço do coração guardado nos caminhos pisados pelo gado andarilho.

Era um manso antes de entornar a primeira lapada de cana. Virava um falador depois de engolir a primeira meiota, sempre acompanhada do pé-de-burro de Arapiraca, que fedia o cheiro dos cigarros desperfumados vendidos por Antônio Teodósio. Mas ninguém acreditava que fosse capaz de esmagar um mosquito.

Até que mexeram com seus brios.

Tinha acabado de cortar um paiol de palma no curral, guardara a foice de cabo curto e seguira para a bodega de Zezim do Ó com a boca cheia d’água por uma boa dose de aguardente, quando Cabo Antonio, o fofoqueiro subchefe de polícia, o parou e contou que um negrão da serra do Jericó havia mexido com uma de suas irmãs.

– Deixou ela de bucho e está ali na esquina do açougue contando vantagem -, envenenou o cabo, apontando para o tal negrão, quase não acreditando que daquele poço de lorotas saísse alguma valentia.

Foi o seu engano.

Zé das Neves caminhou para a esquina do açougue e, ao chegar perto do negrão, puxou a lambedeira e deu-lhe um talho na barriga que as tripas saltaram para a calçada.

O cabra sem entender, chorando e pedindo socorro, o povão sem acreditar no que via, e Cabo Antônio, tomado de surpresa, incapaz de dar voz de prisão ao agressor, que, de faca em punho e disposto a arrancar o fato de quem se candidatasse, fugiu para a estrada da Laje, passou sebo nas canelas, escondeu-se pras bandas de Carnaíba e só voltou a Princesa para o júri que o absolveu por sete a zero.

Depois disso, quando bebia e contava as suas lorotas, quem o escutava fazia jeito de quem acreditava.